Do outro lado do vidro, eles são invisíveis. E as pessoas
passam. Eles ficam. Todos na mesma mesa. E todos sozinhos. Conhecendo-se. Mas é
como se não se conhecessem, nos olhares vazios e vagos, que oscilam entre os
pedaços de poeira no ar e as próprias mãos.
Estão numa mesa redonda. Ninguém é mais do que ninguém.
Porque não há cabeceiras nem vontade de ser, nesta fase da vida, mais do que uma
criatura sem hierarquia. Permanecem. E são invisíveis. Afogam-se no anonimato
da mesa branca. Vazia. Ou quase vazia. No seu centro, uma coroa. A do ananás,
pouco maduro e inteiro. Terão, talvez, ido às compras antes de se sentar. Ou
talvez o ananás sirva de centro de mesa às suas angústias. Não sei.
De tão tristes os olhos que lhes pintam cenários nos rostos
enrugados e ausentes, imagino-lhes histórias. Por preguiça, pinto em todos eles
a mesma história. Um dia amaram alguém. E era para a vida toda. Até não ser.
Talvez tenham morrido ali mesmo, quando não foi. Mas agarravam-se às memórias.
E isso fazia passar os dias, que não tinham sabor. Um de cada vez, levando-os
da juventude à velhice, onde se sentavam juntos, com o ananás, apenas para
partilharem a solidão.
Do outro lado do vidro, eles são solidão. Ninguém ri.
Ninguém fala. São esqueletos à espera das carnes comidas sob a terra. Não têm
mais nada além do vazio. E do pó no ar. E das mãos. O único reino que
governaram foi a própria casa. A única guerra que travaram foi a do coração.
Imagino que um deles se ofende. Não senhora! Esteve no ultramar. Não é bem
assim! Esteve lá, onde tudo era saudade e vontade de voltar. Voltara. Para cá.
Onde tudo é solidão e vontade de morrer.
O ananás no centro da mesa. Memória doce e imatura do amor
que foi. Do amor que não foi. Enfim, do amor. E mil explicações colocadas nessa
memória do tempo em que o palato lhes permitia sentir com exímia eficácia todos
os travos agridoces da fruta rainha… e o toque lhes permitia explorar o desejo
carnudo de alguém que devia ter ficado e partiu.
Sentam-se, incrivelmente sós, na mesma mesa. E são invisíveis.
Ninguém parece vê-los. Ninguém parece ver o ananás. E as palavras que se trocam
em redor, criando aquela algazarra típica de murmurinhe, não lhes passa pelos
lábios. Eles contemplam. Porque acordaram de manhã. E ainda estavam vivos.
Então, partilharam mesa. E no seu centro puseram o ananás, como poderiam ter
posto o vácuo que transportam no peito.
Sinto-lhes a solidão. Do outro lado do vidro, sou eu que
ocupo aquela quarta cadeira. Sinto-me velha e sinto-me só. Não me apetece
falar. Apetece-me olhar para o ananás no centro da mesa. Travando a minha
própria guerra. Tu gostavas de ananás. É só isso que eu sei.
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