Eu escrevi-te uma última carta. À mão, como sempre achei que
deviam escrever-se cartas de amor. O papel era todo branco. E escrevi a caneta,
porque sabia que não quereria apagar uma única palavra.
Quando comecei a escrever a tua carta, questionei quais as
razões de o fazer. Tu, com um pé fora da porta e eu, depois de me ter sido
arrancado até a mais ínfima centelha de esperança. Parecia-me que se esgotavam
as razões. Não haver razões pareceu-me uma boa razão. E, então, escrevi.
A primeira página da minha carta falava de nós e de
elefantes. E da lua aqui ao lado. E da fogueira. E do fogo. Falava do olhar
sobre um horizonte feito do teu passado todo. E de uma queda de água que nos
roubou uma palavra de amor… a mim, pela primeira vez. Ler tudo isto fez-me
achar que a razão pela qual te escrevia era para te recordar do que foi. Mas eu
não acho que te esqueceste. E pareceu-me um péssimo motivo para te escrever uma
carta.
Continuei-a. Falando do que correu mal. Da forma como nos
dávamos, de raiva, a emoções que nem deviam ter existido, desejando, de alguma
maneira, que a paixão do toque embriagado nos libertasse da falta de
entendimento. E falei dos olhos na tela preta e branca. Dos cacos no chão e
dentro de mim. Dentro de ti. Falei da poeira acumulada na madeira e do frio da
noite onde palavras me sufocavam e não achavam forma de sair. Ler tudo isto,
fez-me achar que a razão pela qual te escrevia era para dizer a mim mesma que
tinha de ser assim. E pareceu-me um péssimo motivo para te escrever uma carta.
Continuei-a. Falando do futuro. Da forma como ainda te
desejo cafés e paixões entregues na cama. De como te quero com olhos e céus
azuis e soalheiros. Dizia, algures, que queria ser eu a entregar-te cafés e
paixões. Um dia. Quando o teu relógio e o meu tivessem chegado a consenso. E o
teu coração e o meu tivessem aprendido a lição. Acrescentei que há futuros
feitos de passados que não se repetem E pedi que não tivesses medo de dar a
volta. De voltar. Pedi que a honestidade do teu coração fosse mais forte do que
o teu orgulho ou do que qualquer grau de intransigência virginiana. Ler tudo
isto, fez-me achar que a razão pela qual te escrevia era para te pedir que
voltasses, fosse quando fosse. E pareceu-me um péssimo motivo para te escrever
uma carta.
Não a parei. Disse que te desejava o melhor do mundo e da
vida. E que sabia que, dos teus pés de galinha até ao teu coração de diamante,
não havia nada errado em ti. Desejei que encontrasses o que procuras e que te
encontrasses. Que mantivesses a força e que a vida te tratasse com respeito.
Desejei sorte para acompanhar o teu esforço, que é sempre tanto. E sol no
rosto. E motivos para sorrires. Disse que nada do que foi e nada do que vem te
mudaria aos meus olhos. Que eras das melhores pessoas que conheci e que há
mares mais pequenos do que o teu coração. Ler tudo isto, fez-me achar que a
razão pela qual te escrevia era para dizer que te amo. E pareceu-me um
excelente motivo para te escrever uma carta.
Então, peguei nela, dobrei-a em dois, rasguei-a e deitei-a
fora.
Porque me apercebi de que não importa quão bom é o motivo
nem quão puro é o amor. Continuava a ser uma folha. Já não estava em branco.
Tinha palavras a caneta e pensamentos. A contar uma história que já não tinha
mais páginas para escrever.
Não era uma carta. Era uma lágrima pendente. À espera da
resposta que, se não viesse, seria para me ferir e, se chegasse, seria para me
torturar.
Eu escrevi-te uma última carta. Escrevi-a com o coração
rasgado. E rasguei-a também. Deitei-a fora. Sozinha. Mas só porque não sei
aonde se reciclam corações.
*Imagem retirada da Internet
Acabei de virar seu fã, sua escrita é linda, passa o sentimento pra quem lê.
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