Eu disse-lhe o que sentia. Este desespero de água que criava
pressão no meu peito. A forma como parecia que mil punhais me afligiam, sempre
pelas costas, tentando fazer buracos no centro das asas negras. O modo como
continuava a tropeçar nos meus próprios pés. E como queria, sem conseguir, o
tanto que desejo dar um passo. Atrás.
E ela olhou nos meus olhos. E disse. Deixa rolar.
Contei-lhe que me alicias para o abismo das memórias. Mesmo
sem fazeres coisa alguma. E que, olhando para ti, encontro o som mudo da moeda
de ouro que lancei ao lago na minha infância. Falei da mutilação. Essa que faço
ao coração, cortando pedaços a sangue frio, avançando cegamente, tentando
arrancar aquele pedaço que te abriga. E como corto sempre ao lado da fluidez do
teu ser, que continua a contornar os limites agudos da lâmina e permanecem
intactos no meu coração flagelado.
E ela olhou nos meus olhos. E disse. Deixa rolar.
Tentei explicar. A minha alma tem cores e espaços de vazio,
que encaixam nos teus. Como se a tua existência fizesse da minha algo que
mereça ser. E a minha passagem pelo mundo fosse melhor nos buraquinhos das tuas
pegadas. E disse que aprendi a ser feliz com pouco. E que não fui feliz quando
tinha tudo. Porque ser feliz era uma aprendizagem que me tinha tardado. Disse-lho
assim: descobri que ser feliz era uma escolha quando já não tinha motivos para
ser feliz e, quando os tinha, desdenhei na felicidade, com as mãos cheias de
ouro e sem notar. E agora? O que faço agora com a felicidade, se ao escolhê-la
de manhã sorrio às paredes e danço com o ar e a poeira?
E ela olhou nos meus olhos. E disse. Deixa rolar.
As palavras criavam abismos entre nós. E ela foi. Fiquei eu,
com a felicidade escolhida no vazio. E a dor no peito que sorri. Ouvi-lhe o
conselho. Deixei rolar.
E rolou. Rolaram. Lágrimas pelo meu rosto. E só.
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