Isso não foi uma relação. Foi um jogo de interesses. Foi o
que me disseram. E eu, que me levantei num repente e usei de todas as minhas
forças para não dizer nada, devia ter dito. Devia ter falado. Devia ter
começado assim: “tens razão”.
Tens razão. Foi um jogo de interesses.
Eu e ele. Que nos demos como poucos se dão e sentimos o que
poucos sentem. Fomos isso. Só isso. Um jogo de interesses. Tens razão.
Quando começou, por exemplo, estávamos os dois interessados
em dar um ao outro o mundo. Claro que nenhum de nós tinha um mundo para dar.
Éramos meros mortais, ambos de mãos vazias e com trocos no banco. De bolsos
rasgados. De sapatos que diziam ao chão que íamos descalços mas enganavam os
céus. O que tínhamos? Tínhamos um corpo. Então, foi isso que demos. Vez após
vez. Uma entrega fatalmente condenada pelas horas de sono, que nos obrigavam a
parar e pelas horas de refeição que nos forçavam a comer. Fora isso, demos o
corpo. Tantas vezes que, em alguns momentos, pareceu que eu não começava e não
terminava. Como se fossemos um.
Mas os dias passam e nem toda a vida é cama. Então,
interessámo-nos pela arte um do outro. Um interesse mútuo que chegou a render
trabalhos conexos, alguns dos quais nos pagaram dívidas e nos puseram comida na
mesa. Mas eram poucos, esses que fazíamos os dois. Então, interessámo-nos em
ter uma vida melhor. Arranjámos novos trabalhos, que nos faziam dormir no
acordar do sol ou não dormir de todo. Esgotámos energias, na demanda por essa
vida melhor que estávamos interessados em ter juntos.
Interessámo-nos em quebrar as distâncias e fomos viver
juntos. Partilhámos tarefas com o interesse de que o outro soubesse sempre que
não estava só. E, quando um não podia, o outro ia. Quando um não conseguia, o
outro fazia. Quando um caía, o outro segurava as pontas acutilantes da vida.
Tínhamos interesse em ser o sol e o solo um do outro. E fomos, muitas vezes.
Tantas vezes que, pensando nelas, parecem um contínuo de histórias abraçadas
para que ninguém se afundasse nas amarguras do mundo.
Interessámo-nos em seguir. De tal forma que, por entre
conversas que viravam discussões e discussões que se faziam pedidos de
desculpa, demos por nós a anular a parte de nós que nos fazia ser gente. Fomos
a ideia que tínhamos do que o outro queria de nós. E perdemos, aos bocadinhos,
numa completa ausência do “eu”, aquele ego que bem conheces e que primas por
cuidar e acarinhar, como nunca fizeste aos teus filhos.
Neste eterno jogo de interesses, interessámo-nos por voltar
a ver um sorriso nos lábios sedentos de beijos e recheados de mágoas. Dissemos
um adeus que se concretizaria apenas depois e partilhámos, em despedida, amor
feito de cama e de palavras que eram já memória, assente no prazo de validade
de nós.
Interessámo-nos em ficar. Cheios de amor um pelo outro. Mas
amigos. Ainda que a amizade fosse um corte e uma brecha, entre o que podia ter
sido tanto mais. Como nunca amaste mais do que o teu reflexo e nunca deste mais
do que produtos físicos e adquiríveis no teu fundo de previdência, provavelmente
este é um conceito que te escapa. Mas interessámo-nos em que o outro fosse mais
feliz do que nós mesmos.
O meu jogo de interesses foi uma instituição. Dessas que não
cabe no diâmetro da aliança e que não se concretiza com a procriação ausente de
seres indesejados. Nunca tivemos contas em nome dos dois nem bens comuns. Mas
partilhámos uma vida, um coração, um amor… de uma forma tão interessada e
presente que em nenhum momento sentimos que estivéssemos a perder a noção da
vida.
Perdemos. Perdemos tudo. É o que acontece quando nos
interessamos a ponto de apostar tudo. Perdemos tudo. E a perda, ao que parece,
define agora tudo o que fomos.
Boa educação e pouco afeto foi uma máxima que aprendi há
muito tempo, pelas mãos de uma relação de sangue que me fez gente… mas não
pessoa.
E, se o que tu e eu temos é uma relação… tens razão! Com
ele, eu não tive uma relação. Tive um jogo de interesses. Perdi. Mas ainda me
interesso. Porque amar é isso mesmo. Estar interessado no outro. Desejar que
ele esteja bem. E sofrer calado… se isso significar que, ao longe, podemos
vislumbrar um sorriso.
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