Adormeci de lágrimas nos olhos. Com a cama meio vazia. Uma
sensação de frio que se plantava à esquerda de mim. E os lábios que murmuravam.
Agarra-me. Ao ar. Aos cobertores. Aos vidros embaciados. Esses que talvez
agarrassem. Mas não têm braços. Adormeci de lágrimas nos olhos. Um poema mudo
numa palavra que já foi romance. E que hoje é gelo. Depositado na memória.
Fazendo lascas de mim onde houve lascas de mimo.
Lá fora chovia. Podia ouvir. As gotas inusitadas contra os
vidros. O seu som suave, no toque das folhas das árvores da praceta. Lá fora
chovia. Eu queria dormir. Cerrei os olhos molhados de luar. E adormeci.
Adormeci de lágrimas nos olhos.
Acordei para um mundo distinto. Havia um tom dourado a
resplandecer no alcatrão do estacionamento. E um sol que se exibia no céu,
vitorioso, enchendo o peito por entre as nuvens ocasionais, como se as tivesse
vencido.
Saudou-me e eu saudei-o. Ele, com um toque breve de calor
nas minhas mãos despidas. Eu, agarrando a chávena de café com açúcar. E
trocámos um leve olhar de compreensão, enquanto eu decidia que era hora.
Era uma manhã de sol. Agarrei as minhas lágrimas. Pendurei
as minhas lágrimas no estendal. À espera que secassem. Que se fizessem em bruma
cadente, desvanecendo de mágoas pelo brilho quente e soalheiro do dia. Pendurei
as minhas lágrimas no estendal.
O dia avançou. E escureceu. O sol bocejou antes de se deitar
e agitou as copas das árvores, que deixavam cair mais algumas folhas outonais
pelo chão sem tempo. Fizeram um tapete de tonalidades mornas para cobrir a
sepultura das lágrimas que tinha estendido no varal, pela manhã. E, depois, o
sol despediu-se. Foi-se. Deixou-me o estendal vazio de lágrimas.
Ao deitar-me, adormeci de olhos secos. Com a cama meio
vazia. Uma sensação de frio que se plantava à esquerda de mim. E os lábios que
murmuravam. Agarra-me. Ao ar. Aos cobertores. Aos vidros embaciados. Esses que
talvez agarrassem. Mas não têm braços. Adormeci de olhos secos. Um poema mudo
numa palavra que já foi romance. E que hoje é gelo. Depositado na memória.
Fazendo lascas de mim onde houve lascas de mimo. E percebi. Doíam-me os olhos
que não choravam.
Adormeci de olhos secos. A dor que não escorre, inunda.
Afoguei nos olhos ressequidos. Tive saudades das lágrimas que secaram no
estendal. E da chuva que não caía. E tuas também.
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