terça-feira, 4 de dezembro de 2018

Lágrimas no estendal





Adormeci de lágrimas nos olhos. Com a cama meio vazia. Uma sensação de frio que se plantava à esquerda de mim. E os lábios que murmuravam. Agarra-me. Ao ar. Aos cobertores. Aos vidros embaciados. Esses que talvez agarrassem. Mas não têm braços. Adormeci de lágrimas nos olhos. Um poema mudo numa palavra que já foi romance. E que hoje é gelo. Depositado na memória. Fazendo lascas de mim onde houve lascas de mimo.

Lá fora chovia. Podia ouvir. As gotas inusitadas contra os vidros. O seu som suave, no toque das folhas das árvores da praceta. Lá fora chovia. Eu queria dormir. Cerrei os olhos molhados de luar. E adormeci. Adormeci de lágrimas nos olhos.

Acordei para um mundo distinto. Havia um tom dourado a resplandecer no alcatrão do estacionamento. E um sol que se exibia no céu, vitorioso, enchendo o peito por entre as nuvens ocasionais, como se as tivesse vencido.

Saudou-me e eu saudei-o. Ele, com um toque breve de calor nas minhas mãos despidas. Eu, agarrando a chávena de café com açúcar. E trocámos um leve olhar de compreensão, enquanto eu decidia que era hora.

Era uma manhã de sol. Agarrei as minhas lágrimas. Pendurei as minhas lágrimas no estendal. À espera que secassem. Que se fizessem em bruma cadente, desvanecendo de mágoas pelo brilho quente e soalheiro do dia. Pendurei as minhas lágrimas no estendal.

O dia avançou. E escureceu. O sol bocejou antes de se deitar e agitou as copas das árvores, que deixavam cair mais algumas folhas outonais pelo chão sem tempo. Fizeram um tapete de tonalidades mornas para cobrir a sepultura das lágrimas que tinha estendido no varal, pela manhã. E, depois, o sol despediu-se. Foi-se. Deixou-me o estendal vazio de lágrimas.

Ao deitar-me, adormeci de olhos secos. Com a cama meio vazia. Uma sensação de frio que se plantava à esquerda de mim. E os lábios que murmuravam. Agarra-me. Ao ar. Aos cobertores. Aos vidros embaciados. Esses que talvez agarrassem. Mas não têm braços. Adormeci de olhos secos. Um poema mudo numa palavra que já foi romance. E que hoje é gelo. Depositado na memória. Fazendo lascas de mim onde houve lascas de mimo. E percebi. Doíam-me os olhos que não choravam.

Adormeci de olhos secos. A dor que não escorre, inunda. Afoguei nos olhos ressequidos. Tive saudades das lágrimas que secaram no estendal. E da chuva que não caía. E tuas também.






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