Olha, amor. Nasceu mais um dia sem ti. E o sol não sabe.
Tento manter a verdade dentro dos limites frios das paredes. Para que ele
brilhe.
Não é mentira, entende. Omito apenas a mágoa das verdades
que me povoam o peito, para que possas sair e dançar. Mão na mão sem a minha
mão. Sorriso no rosto sem o meu sorriso. Passos moles sobre areias rijas do
tempo que eu já não tenho.
Não é mentira. É apenas vontade. Vontade de que o sol te
beije o rosto que eu não agarro. Te pouse nos lábios que não beijo. Te aqueça
as mãos despidas de mim e que se revoltam na ideia do regresso. Vontade que o
sol te abençoe os amores e as escolhas. Vontade de que ele não saiba das minhas
asas dilaceradas e feitas em pó, que se acumulam no fundo das fogueiras de
Inverno.
Mas olha, amor. Nasceu mais um dia sem ti. E o sol não sabe.
Às vezes noto que alguém avança, intempestivo, feito nuvem, para o céu onde ele
brilha. Faço feitiços. De sal e de sálvia, gastando saliva e tempo e segredos
só meus. E impeço que essa nuvem te chova com o turbilhão de arrependimentos
toscos que trago no peito. Um aviso deserto de brandura. Ninguém se atreva a
dizer ao sol que nasceu mais um dia sem ti!
Caminhando no morno abraço dos raios que se quedam do céu,
imagino-te feliz. Nasce um sorriso molhado no meu rosto de pedra. Desapareço
nos lábios que nem sabem sorrir. Mergulho neles, como quem mergulha na mágoa.
Uma ideia demorada no espaço onde o nunca e o nada procriam. E nasço eu, na
posição fetal de uma dor que não se explica. Sorrindo. Porque, algures, sob o
sol, também sorris. E tens quem sorria de volta. Nessa bênção que eu peço e dou
todos os dias. Esses dias em que não digo – e não deixo que ninguém diga – a
verdade ao sol. Essa de que nasceu mais um dia sem ti.
O sol cresce, ergue-se, ponteia o céu em todas as posições.
Engraçado como gira a Terra que eu piso e a minha mente, de formas tão
similares, sem que ninguém se aperceba. E também o sol não se apercebe. Nem do
movimento terreno, nem da minha dor, nem que nasceu mais um dia sem ti.
Calo palavras alheias de revelação. O sol não sabe nem se
quer que saiba. Shhhh… deixa-o ser feliz.
Aos poucos, ele adormece. Raio a raio. Anoitece e o sol, que
sorri no horizonte, fervilha e não sabe. Uma pequena vitória num dia vazio.
Ninguém disse ao sol que foi mais um dia sem ti.
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