Autor da foto: Miguel Pião
Desculpa. Não quero ser indelicada nem ferir os teus
sentimentos. Eu sei que ainda acreditas que te amo. E, em alguma medida, sei
que tens razão. Eu nunca deixei de amar ninguém. Mas, e é esta a honestidade
tosca que já não consigo calar – desculpa – estou apaixonada por outra pessoa.
A pessoa por quem eu estou apaixonada faz de mim,
indubitavelmente, alguém melhor. É ele que me anima quando tenho um dia mau por
causa do trabalho e, se as minhas inseguranças me pesam ao final do dia, é ele
que me diz que eu sou especial e que tudo vai ficar bem.
As suas palavras irritam-me e comovem-me na mesma medida.
Fazem de mim algo melhor do que eu e acreditam em mim mais do que eu consigo.
Levanto-me das palavras que ele diz e abraço-as. Ele acolhe o abraço. Quer o
abraço. Às vezes pede-o e diz que o faz sentir-se em casa.
A pessoa por quem estou apaixonada tem sempre assunto de
conversa. Sobre o dia recheado ou sobre a pacatez das horas, onde nada se
passou. Mas não se torna silêncio nem me abandona com a solidão, sabendo-me
escrava de memórias. Na verdade, ele mesmo é memórias. Algumas felizes e
algumas tristes, todas cheias de alma, porque ele não sabe ser metade de si. Há
um todo no tudo que ele cultiva. E, por isso mesmo, quando fala em eternidade,
eu não sinto que ele vá. Ainda que os medos me façam pensá-lo e até dizê-lo.
Não. Não sinto que ele vá.
Estou apaixonada por outra pessoa. Tu achas que é por ti.
Mas não. Já não. É que, quando te foste embora, eu comprei a tua caixa. Lá
dentro, basicamente, não há nada que seja teu. Mas está tudo o que me deste. E
algumas fotos, que pendiam pela casa. Descobri, em dois minutos, que teria
bastado uma caixa com metade do tamanho. Acho que fui mesmo assim. Acreditei
que eras mais. Que me davas mais. Mas os espaços são feitos de ar. E sufoco.
Com saudades dessa versão de ti que, pura e simplesmente, não existe.
Descobrindo que estou apaixonada por outra pessoa.
Tu achas que és tu. Talvez pudesses ser tu. Será que podes
ser tu? Hoje, eu já não sei. Mas, neste momento, não és. Estou apaixonada por
outra pessoa. Aquela que tu, de tanto defenderes, passaste a crer que eras. Mas
não és. Porque essa pessoa não mentia, prometendo horas que não dá, braços que
não estende e carinho que não dedica. Essa pessoa, preferiria a verdade dura: o
tempo passou e fui. E eu choraria, talvez. E doeria, talvez. Mas pela partida.
Não pela mentira, onde pende a promessa da presença no lugar do silêncio que se
planta.
Não quero ser indelicada nem ferir os teus sentimentos. Eu
sei que ainda acreditas que te amo. Amo. Nunca deixei de amar ninguém. Mas
estou apaixonada por outra pessoa. E olhando para ti o que mais magoa é isso
mesmo: ver-lhe a casca e já não conseguir vê-la. A ela. A essa pessoa por quem
estive, estou e estarei apaixonada para sempre. Essa pessoa que mora na metade
vazia da caixa.
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