O movimento é ascendente mas o chão escorrega. E aqui
estamos, os dois, felizes. Como se a história tivesse terminado. Como se os
teus dedos palmilhando linhas inócuas sobre a minha pele despida fossem fiéis.
E queremos envelhecer juntos. Uma imbecilidade que dizemos em voz alta, como se
alguém quisesse realmente ser velho. Falhou-me, aqui, perceber. Que eu queria.
Ser velha.
Talvez fosse sobejamente óbvio. Mas falhou-me a perceção.
Ser velha significava morrer em breve. E essa era a única maneira de ficarmos
juntos para sempre. Se o sempre fosse um espaço curto e algo ambíguo, feito das
nossas juventudes. O mundo está todo ao contrário.
Subimos um degrau. O degrau era de mármore. Antigo.
Suportando a cruz de um olhar sobre a imensidão. E, subindo o degrau, subíamos
também o sonho incauto. Fomos demasiado imprudentes. Mas tentei dar-te a mão
para que não caísses. Ou para que caíssemos juntos. Mas o mundo está todo ao
contrário.
Era uma diferença incontornável entre nós. Tu querias estar
vivo. A mim, sempre me importou pouco se estava viva ou morta… só não queria
estar triste outra vez. E achei que, subindo o degrau, ainda que caíssemos e
nos finássemos ali, haveria felicidade nas horas poentes da vida.
Então, segurei-te. Era a história do degrau que me dava inspiração
e esperança. Porque o via, apoio e amparo, de pés que queriam ir lá: ao lugar
onde o tudo é o todo que se faz inteiro. À torre mágica dos castelos encantados
de contos de fadas que começam com “era uma vez”. Mas o mundo está todo ao
contrário.
Subo sozinha o degrau. Porque não quiseste ser velho, como
eu queria ser velha. Juntos. E o degrau ficou vazio dos teus pés, à medida que
largando a minha mão te apoiavas noutra e continuavas a escalar, rumo ao céu.
A minha torre é o
mundo. E talvez a história do degrau seja também a minha. Pisada e repisada.
Suporte e sustento. Servindo apenas para levar ao topo quem só lá se dispõe a
parar. O mundo está todo ao contrário.
Ainda quero ser velha contigo e já estou velha sozinha. As
rugas inusitadas da minha alma põem o sol da vida três vezes num dia. Na hora
do silêncio, na hora da memória e na hora do cansaço. A velhice sabe a água com
gelo. É fria e insípida… e cerca de 70% do meu corpo. Dizem-me que tenho a vida
toda e apetece-me gritar. Teria. Mas o mundo está todo ao contrário.
Vou condescendentemente atrás de explicações que não
existem. No degrau de mármore. Na vida e no desespero. Em ti. Descubro que sou
ou fui vida. Descubro que a história do degrau é também a minha. Respiro no
vidro que embacia e escrevo nele mais um poema que se apaga da história do
mundo.
E talvez nem seja o mundo… Talvez, na vida real, seja
simplesmente tudo ao contrário. Talvez seja por isso que, aqui, os contos de
fadas começam com “viveram felizes para sempre”. E, quando dás conta, já “era
uma vez”.
A história do degrau é também a minha. Sento-me nele, para
virar costas à subida. Estou cansada. Olho a escadaria marmórea que inunda com
o sangue e o suor que dediquei ao sonho para o qual, afinal, ia sozinha. Lanço
o olhar sobre esse passado e sei que valeu a pena. Tenho este texto e todos os
seus irmãos. Sou mãe de poemas. Estou morta e ainda fértil. Agarro-me à ideia
de que, a mim, sempre me importou pouco se estava viva ou morta… mas sei que
não queria estar triste outra vez. Enfim… a história do degrau é também a
minha. E o mundo está todo ao contrário.
A história do degrau é também a minha. Somos só o meio para
outro fim. Está na hora do cansaço. Sinto-me triste e sei que sou velha.
Sento-me no degrau. Tudo o que não dói adormece. O resto de mim sofre de
insónias. E aproveita para entrar na hora do silêncio, colhendo memórias como
flores sem história. Fazendo um bouquet de solidão. Sentindo que o mundo está
todo ao contrário.
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