Foto de Marina Ferraz | Modelo: Vanessa Oliveira
1 de Abril de 2019
Hoje parece-me um bom dia para dizer que não te amo. Não te
amo. Podes dormir em paz esta noite. Não te amo. Podes abraçar outro corpo sem
medo de teres cultivado um jardim que já não regas. Não te amo. Hoje parece-me
um bom dia para dizer que não te amo.
O pássaro de asas cortadas que é o amor já não me mora no
peito. Voou. Mesmo sem asas. Voou usando pós de dedaleira. Preparados com
afinco num almofariz qualquer. Voou. E, assim de repente, sem esse pássaro
moribundo e fétido na minha alma, eu descobri. Hoje. Não te amo. E é um dia
excelente para to dizer. Que não te amo. Já não.
Hoje parece-me um bom dia para dizer que sou feliz. Sou
feliz. Podes avançar pelas horas ciente do meu contentamento. Sou feliz. Podes
sussurrar, em ouvidos alheios, palavras de amor, sem julgares que há lágrimas
no lugar dos poemas dos meus olhos. Sou feliz. Hoje parece-me um bom dia para
dizer que sou feliz.
O pássaro de asas abertas que é a felicidade pousou no meu
ombro. Pousou na minha mão. Deu pequenas bicadas de entendimento na minha pele
quente. E fez a noite mais brilhante. O meu sorriso mais puro. Pousando,
disse-me que era livre e queria ficar. E eu disse-lhe. Fica, se quiseres. E ele
quis. E foi assim, de repente, com esse pássaro livre na minha mão, que eu
descobri. Hoje. Sou feliz. E é um dia excelente para to dizer. Que sou feliz.
Agora sou.
Hoje, parece-me um bom dia para dizer que não quero
desaparecer. Não quero desaparecer. Podes ir, descansado, sabendo que não passo
o tempo da minha vida a desejar que ela acabe. Não quero desaparecer. Podes
rir, de olhos semicerrados fixos num semblante que não seja meu, esquecendo-me
até no permeio do riso. Não quero desaparecer. Hoje parece-me um bom dia para
dizer que não quero desaparecer.
O pássaro de olhos vermelhos que é a esperança veio
sentar-se aos meus pés, na calçada. Dei-lhe pequenos sóis cadentes em grãos de
milho. E ele congratulou-se com a chuva de ouro alado que me fugia das mãos.
Disse-me que ia ser um bom dia e que ia ficar tudo bem. Que também do meu céu
cairiam sóis, um dia. E eu acreditei. Foi assim, de repente, com esse pássaro
inebriado na luz do milho, que eu descobri. Hoje. Não quero desaparecer. E é um
excelente dia para to dizer. Que não quero desaparecer. Agora não.
Hoje tenho muitas coisas para te dizer que sei que tu queres
ouvir. Porque hoje é um dia em que a patranha cai bem e não causa alarde.
Mas tu sabes. Talvez ninguém o saiba como tu. Para ti,
durante anos, este dia repetiu-se. Ciclo redundante, circular, que terminava e
recomeçava nos teus lábios, cada vez que dizias que me amavas.
Por isso, deixa-me aproveitá-lo. O dia. Para te dizer que
não te amo. Que sou feliz. Que não quero desaparecer.
Não te amo.
Sou feliz.
Não quero desaparecer.
Deixa-me dizer-te hoje.
Amanhã não posso.
Lindo Marina, mais uma vez claro. Belíssimo texto. Obrigada.
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