Eu não sei se tu e eu vamos dar certo. Ainda que gostemos de
olhar o mesmo céu e encontremos sempre a mesma estrela, por entre a imensidão.
Ainda que fechemos os olhos para um desejo mudo e o desejo ressoe igual no
nosso silêncio. Eu não sei se tu e eu vamos dar certo. Não posso oferecer-te
certezas. Não quero criar-te ilusões.
Posso dizer-te que, mulher de paixões ardentes e
intemporais, levei sempre um segundo a apaixonar-me para a vida. Foi assim com
todos os outros. Contigo não. Demorei a amar-te, talvez porque conheça bem
demais os teus defeitos. Ou talvez porque, no fundo, me irrite um pouco a
arrogância cultivada no que sei que são as tuas qualidades. Ou até porque sei
que nunca sabes o que queres. E sempre tive medo que, quando te quisesse, não me
quisesses de volta. Nem que fosse só para destoar. Ou para me contrariares.
Demorei a amar-te. Quebrada e desperta dos sonhos que em
tempos me tinham movido, eu tinha medo de te amar e de descobrir que não havia
nada para amar em ti. E de ficar mais só. Eternamente só. Porque a solidão já
era um nome amigo de outros tempos. Que deixei. E, de alguma forma, era melhor
ter-te numa dimensão menor do que não te ter de todo.
Tu tens tanto para amar! Tanto! O tempo que me demorou o
amor é justamente o que passo agora, diariamente, a questionar como não o vi.
Amo-te. Quero-te. Custa-me a imaginar o tempo em que vivi tão perto de ti e tão
longe deste sentimento. Mas, ainda assim, não leves a mal. Não posso. Não posso
dizer que vai ser sempre assim. Eu não sei se tu e eu vamos dar certo.
Claro, eu sei que gostamos de dormir debaixo das mesmas
camadas de roupa. E sei que gostamos de o fazer despidas de pudor e de tabus.
Sei que gostamos de falar sobre sexualidade e género. Que gostamos de gritar
sobre as nossas opiniões, como se marchássemos pelos direitos da equidade
dentro das paredes do quarto. Sei que gostamos de cozinhar. E que somos um
bocado irrequietas e desintegradas. Amamos odiar o mundo juntas. E defender o
mundo juntas. Mas a dois. Porque nos assusta, em medida quase igual, a ideia do
pódio enunciativo das nossas ideias.
Eu gosto de escrever e tu gostas de ler. Também escreves e
também te leio. Achamos, tu e eu, que literatura e arte são conceitos irmãos
como literatura e vendas nunca poderão ser. E, por isso mesmo, talvez estejamos
condenadas ao anonimato. Agradar aos outros não faz muito parte de nós. Tão
parecidas e tão diferentes de tudo o resto.
Percebo bem que queres que dê certo. Agora que finalmente
encontrámos um espaço para nós, sem outras vozes nem outros entraves. Eu também
quero. Quero estender este amor como tapete até ao fim da vida e fazer sobre
ele o desfile da eternidade. Mas, meu amor, eu não sei se tu e eu vamos dar
certo.
Fiquemos assim. Presas na ideia do eterno agora do reflexo.
Amo-te. Amas-me. Não sei se para sempre. Mas agora. E o que é o agora, senão
uma eternidade presente? O que é o agora senão o lugar onde tu e eu podemos dar
certo?
Eu sei. Sei que tu e eu somos um nós feito de carne e
reflexo. Tão unidas num só espaço que, quem olha, me vê só. Dizem-me para
seguir porque não vêem. Mas estás aqui. E demorei a amar-te. Amar fora de mim
impediu-me sempre de te amar. Agora não. Quero amar-te a ti. Que tens o meu
nome. O meu corpo. A minha aparência.
Como nunca te tinha amado, não posso dizer que tu e eu vamos
dar certo. Mas, se nos destina o mundo que sejamos unas até ao fim da vida... o
melhor é tentar.
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