Há neve nos recantos das praias dos meus pensamentos. Às
vezes, imagino que é areia. Enregelam-me os pés nus, mas não faz mal. O frio é
uma espécie de Inferno, tolhido na pele. Lembra que, algures, ainda existe uma
capacidade moribunda de sentir. E talvez seja o melhor tipo de dor, porque
chega aos ossos mas não à alma.
Vi muitos pores-do-sol contigo nesta praia. A do meu
pensamento. Até teres metido o sol na mala e ido embora. Deixando-me as noites
e a mágoa. A neve e a névoa. Voltaste para buscar a névoa, depois. Fica bem nas
fotografias. Eu entendo.
Às vezes, quando caminho pelos destroços do que foi a minha
cidade interna. Essa que culmina na praia do meu pensamento. E descubro que as
ruínas foram violadas por bandidos selvagens. Há, pintadas nas paredes,
pinturas rupestres que contam a história animalesca de um amor que morreu.
Como o amor não morre, alguém diz: e o amor que se foda. E
eu espero bem que tenha razão. Que o amor se foda. E que, com ele, se fodam
todos os sentimentos que ficaram por ele se ter, entretanto, provado unilateral
e inútil. Que ele encontre o caminho certo para fazer isso mesmo: para se
foder. Enterrado debaixo de toda essa neve que foi areia. Macerado debaixo de
toda essa noite que foi pôr-do-sol.
Estou farta do amor. Cansada do amor. Tenho vontade de começar
a despir camadas até o conseguir tirar de mim. Faço-o. Dispo camadas de derme e
epiderme e músculo e osso. Dispo os ossos do tutano e o tutano de todas as suas
estruturas adiposas. Dispo veias e artérias. E órgãos vitais. E o amor lá
continua, sem que possa despi-lo. Sem eu saber bem onde se aloja ou como consegue sobreviver com tão
pouco.
Merda. Sou toda feita de amor. Queria ser mais carne e
razão. Mas não. Sou toda amor. Sou toda feita de amor a dizer “e o amor que se foda”. E
talvez seja por isso que quem se fode sempre sou eu.
Mas dói. O caminho de pés enregelados pela praia do meu
pensamento, onde estruturas rochosas de memória relembram dias que não
regressam. O caminho de pele seca pelas ruínas do que um dia foi um lar e agora
é uma casa sem portas nem janelas, construída com silvas e correntes de ar.
O tempo passa. Os ponteiros da memória andam para trás. Os
ponteiros da vida demoram duas horas a passar um décimo de segundo. Eu sufoco. Lá,
dentro dessa cidade em ruínas e dessa praia de neve. Sufoco.
Cá fora, a moldura. Um sorriso. Está tudo bem. E contigo?
Vazio, vazio, vazio. Espaços vazios numa manifestação eterna de felicidade.
Está tudo bem. Mais um sorriso. Só quero desligar. Quero parar. Quero ir. E o
amor que se…
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