Quando o teu silêncio provocar o meu, será tarde. Porque o
meu silêncio não será de dedos que não acariciam o teclado mas de dedos que se
quedam, numa mão estendida ao lado do leito. Quando quiseres falar, talvez os
meus lábios já sirvam apenas para lembrar os beijos dados, com uma tonalidade
azulada e fria, tão igual à do meu coração que ainda bate.
O poço é fundo e está cheio de silêncios. Meus. Teus.
Nossos. É um tempo de fundamentalismos toscos que justificam para dentro o que
carece de explicação plausível. Por que razão me esqueceste? E como podem os
quilómetros entre nós ser mais fundos que a profundidade deste poço fundo?
Quando o teu silêncio provocar o meu, será tarde. Os braços
pendentes não terão abraço. E o peito parado não terá sopro. E os olhos
vidrados não terão lágrimas. As únicas palavras serão de despedida e não serão
ditas por mim. As únicas histórias serão contadas por paredes que, como eu, não
falam. E, se algum movimento se revelar, será só espasmo. Uma libertação de
gases e almas que hão-de perder-se com rapidez no ar, sem que ninguém repare.
O poço é fundo e está cheio de almas. A minha. A tua. A alma
de um amor que morreu. Paz à sua alma. Digo. Mas ele vive em mim. E revolta-se.
Atira-se. Mas atira-se levando-me com ele, nessa queda que começa no topo e me
leva ao fundo desse poço fundo.
Quando o teu silêncio provocar o meu, será tarde. Eu terei
estendido as pernas na direção do ocidente, para que me entrem primeiro os pés
no pôr-do-sol, e a noite venha tranquila buscar o meu corpo com o seu manto de
estrelas. As mãos que me abanam não vão acordar-me e nada que digas me fará
sorrir.
O poço é fundo e está cheio de dias que anoitecem. E de
noites que amanhecem outra vez. É um círculo e um ciclo, todo feito de quedas e
queixumes, que se esbatem e se calam até que não exista voz nem sonho. Só um
aroma a bafio, que se estende, inebria e se torna perfume na pele de quem
espera. Não por ti. Pela morte. No fundo desse poço fundo.
Quando o teu silêncio provocar o meu, será tarde. Primeiro terá
ido, do peito, o sopro. Depois, do coração a vontade. Despir-me-ei primeiro de
vestes, depois de sonhos, algures de amor. E, por fim, de palavras. E os
cabelos que agarraste entre os dedos. E o rosto onde depositaste carícias. E o
corpo de mulher que amaste nas noites, nas tardes, nas manhãs. Todos eles
inertes e sem vida, esperarão por algo que já não é o fim do teu silêncio.
O poço é fundo e está cheio de memórias. Minhas. Tuas.
Nossas. Do tempo de um começo que prometia não ter fim. E, lá em baixo. Ali. A
promessa caiu e quebrou. Como as pernas da minha alma. E a vontade do meu
coração. Que agora talvez não mais saia do fundo desse poço fundo.
Quando o teu silêncio provocar o meu, será tarde. Tarde para
me vires buscar ao fundo do poço. De lá, terei então voado. Deixando só o
silêncio no fundo desse poço fundo.
Nenhum poço é demasiado fundo se retirares o lodo que te tolda a visão e impede de caminhar como se de areias movediças se tratassem...Se retirares o lodo e limpares o poço com a tua alma pura, a água será cristalina e ultrapassará o próprio poço!!
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