O sonho arde na garganta. Bebida entusiasta e quente. Doce. Com muitas estrelas gaseificadas no copo. E o gelo ondeando na viagem, tinindo contra o vidro. A transparência é da alma e os sorrisos condensam. Sopra a tonalidade rubra de uma framboesa fora de época. E passa um satélite, algures. Lentamente. Trilhando o céu como se espiasse. O copo. O sonho dentro do copo. Os corpos.
No canto iluminado do meu ciúme nasce um poema qualquer. Fio de lágrima, estendido desde a ponta agreste que rasga os lábios até à mesa, esse mar de muitas marés, onde permanecem as histórias que ninguém conta.
Existe vazio e plenitude, no lugar onde são pleonasmo. Nenhuma contradição os modela. Os degraus são feitos de essência mareada, onde todos os nuncas e todos os sempres parecem gastos nas histórias infames da nossa infância triste.
A pele que se toca é firmamento. Choque elétrico, feito nessa sabedoria itinerante, que se fez de fogo-fátuo. Convidam-se os mortos a beber. Inebriados pela ideia da vida que se esvaiu dos seus sopros mornos e que perdura no passar zumbido de algum inseto triste.
Deixo marcados na areia os meus passos. Crateras lunares de traça certa, onde se exibe o número e a malha da sola de todos os concretos que eu nunca tive.
Dispo-me de certezas e levo, nua, a única que me sobra. Sonho de framboesa. Na bebida. Quente. Ponteada de gelo e sabores agridoces. O encontro dos copos faz um som que vibra no Olimpo e acorda Baco.
Não há nuvens no céu. As suas lágrimas vastas são, nesse sonho, somente oceano. Encolho-me no âmago de tudo o que não se diz e disperso na infinitude sem dono do horizonte negro que me povoa a mente.
Chovem. Estrelas e catástrofes. Pensamentos estivais de uma neve fofa, caída no copo, lado a lado com a framboesa.
O sonho arde na garganta. O gelo derrete e o corpo acende. O vento agita o fogo. Eu suspiro. A vela apaga-se. Passa um satélite, algures. Lentamente. Trilhando o céu como se espiasse. O copo. O corpo. O gelo e o fogo e as escarpas de pensamento que os unem num só.
Amoras, framboesas, morangos. Pensamentos e histórias e lugares sem dono. As primeiras cerejas da estação quente. E o passado todo condensado no vidro fosco.
Os satélites do céu poderiam ser bombas. E o copo poderia ser casa. E a framboesa poderia ser sangue. Há muitas vítimas deste frio quente sem nome. E o sonho? O sonho (sobre)vive.
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