Há uma espécie de senso comum. Sem muito senso. Totalmente errado, na realidade. Daquelas falsas verdades consensuais. Daquelas falácias que duram e perduram e se perpetuam. Ano após ano. Século após século. Dizem que vamos salvar a poesia. Nós. Os poetas.
Nós sabemos a verdade. Não vamos.
Vestimos versos como quem veste a pele pela manhã. Ocasionalmente depois de ligarmos as televisões ou lermos os jornais. Ambos servem de ruído de fundo. E de lágrima artificial. Mas não precisamos da artificialidade das lágrimas mediáticas. Choramos outras. São sangue que sai dos olhos. Muito transparente. Que rola pelo rosto. Que se enche de todo o negro da raiva. Que toma os contornos delineados da dor. Quando cai sobre a folha, já é palavra.
Uma lágrima segue a lágrima seguinte. Cada uma delas, pingando palavras nas folhas, que podem ser teclas, que podem ser ecrãs táteis. Não interessa! O poema não é feito, mas chorado. E vive. Tem uma existência fundamental e própria. Uma essência. Uma identidade. Já não nos pertence.
Por vezes, fala-nos do mundo. Da vida. Dos sentidos. Dos sentimentos. Cada palavra é folha na copa da árvore. Árvore na floresta. Prédio na cidade. Gota de água no oceano. Vale de pouco. Como o grito. Mas é parte de um todo maior que poderia ser, talvez, a salvação do mundo.
O lugar dos poemas é a gaveta. As gavetas são tumba. E dizem por aí. Não nas televisões e nos jornais, posto que nenhuma importância lhes é dada.... Mas dizem por aí. Que a poesia anda moribunda. Que morreu. Que é o parente mais pobre da literatura, sendo que a própria literatura é já o parente pobre das artes, e que as artes são o parente pobre do investimento de um país que prefere ver rolar... bolas em campos e lágrimas nos rostos, contando que se chore baixinho, para não interromper o relato.
De todas as vezes que falam da
poesia – morrendo já na gaveta-caixão – dizem que talvez nós – os poetas –
possamos salvá-la.
Nós sabemos a verdade. Não podemos.
Estamos arrumados na mesma gaveta. Condenados ao mesmo mal. A morrer devagarinho no sufoco dessa realidade triste que é um mundo cego.
Dentro da gaveta, eu própria confesso. Resta-me esperar. A morte. Questionando se me afogarei nas lágrimas. Ou se cederei ao sufoco de multidões de autómatos. Ou se cairei numa luta desigual por um lugar de utopia, dilacerada no corte das folhas escritas que me querem tirar das mãos, para arquivar com as outras.
Não vou salvar a poesia. Queria muito. Mas não vou.
O século XXI precisa de heróis e o meu país habituou-se mal, por ter um poeta como herói nacional. Nos palcos, ainda vou tentando. Como outros, na mesma condição. Lutar. Por um mundo melhor. Por um mundo mais justo. Por um espaço para nós, como pensadores, filósofos, políticos e poetas...
O grito começa. O grito acaba. E ninguém ouve.
Estamos arrumados na mesma gaveta da poesia. Pária da pátria. Que um poeta não serve para nada. É o que dizem. Exceto para fingir que tem utilidade.
Mas, depois, o dia internacional da poesia. O dizer o bonito. O fazer o bonito. O celebrar, por um dia, do que se esquece nos demais. E – atentai, atentai! - dizem que vamos salvar a poesia. Nós. Os poetas.
Desculpem-nos! Não somos heróis. Perdoem! Por mais que nos palcos se ouça a musicalidade da defesa pelo que é certo. Por mais que choremos palavras. Por mais que gritemos. Não vamos salvar o mundo. Não vamos salvar a poesia. Estamos simplesmente à espera, palavra a palavra, que a poesia nos salve a nós…
E nós falhamos.
E ela falha.
No fim, morremos todos.
Resta saber se afogados nas lágrimas... sufocados por multidões de autómatos... ou ainda lutando por um lugar de utopia... onde talvez, só talvez, pudéssemos salvá-la. À poesia.
Confere... Um maluco aqui, salvo pela poesia!
ResponderEliminarMas enquanto a criar, ela também não se extingue ;)