terça-feira, 1 de março de 2022

Não me apetece

 


Nota prévia: Num dos meus cadernos, a primeira – e uma das únicas entradas – de fevereiro era “não me apetece escrever”. Não apetecia. Não sei se apetece... Mas não sei fazer outra coisa...

 

 

Não me apetece escrever. Desculpem. Estou cansada. Cansada de repetir o mesmo. Cansada de bater na mesma tecla, até a desafinar, sem que ninguém ouça. Já me sangram as mãos. Ninguém vê. Já me tolhe a alma. Ninguém sabe. Está tudo bem. Quando não se ouve, nem se vê, nem se sabe. Quando não se lê. Quando não se pensa.

 

Invejo quem não pensa! A carnificina dos meus pensamentos seria digna de um qualquer filme de terror de Hollywood... Mas agora o horror só passa nos telejornais, não é? Carne e sangue. Bomba e medo. Doença e morte. Narrativa pobre, podre, indolente, vendida a preço de saldo. Vende-se qualquer coisa, contando que alguém pague. As mentiras são a peça-chave do leilão dos media. O “socialmente aceite” e o futebol são o ópio. Anda toda a gente a cheirar o pó branco da apatia. Anda toda a gente a injetar nas veias a aceitação social, seja sob a forma de confinamentos sem sentido ou de manifestações amplamente povoadas, onde a empatia – se existe - é peça de teatro.

 

Não me apetece escrever. Não me apetece dizer outra vez que o problema recai sempre sobre a mesma lógica – tão simples, tão ignorada – de que é preciso ser e deixar ser. Vivemos no tempo da invasão. Não é nada novo. Invadimos o espaço do outro. O corpo do outro. A vontade do outro. O país do outro. A vida do outro. Que dificuldade é esta de encontrarmos conforto e tranquilidade nas fronteiras do nosso eu?!

 

Mas eu sei. A maioria das pessoas não sabe estar nas suas fronteiras. A maioria das pessoas não sabe estar sozinha. Não sabe amar-se. Não sabe onde começa e acaba. A maioria das pessoas precisa que lhes digam quem são. E, adivinhem?! Ninguém sabe quem elas são, para que possa dizer-lhes. Então, elas acabam por tornar-se esse reflexo pobre do que se convencionou por certo. Por seguir esse regime pobre do que se convencionou por certo. E temos gente tão grande... a ser tão pouco.

 

São mortos e feridos e refugiados. São histórias que se repetem estupidamente porque o problema não está no fruto que é a guerra, mas na sua raiz, que é o egoísmo. E aduba-se o egoísmo com o prazer momentâneo, a vontade estúpida de ter mais coisas, a vontade estúpida de ganhar mais dinheiro, de gastar mais dinheiro, de roubar o dinheiro. É tudo feito no tilintar dos trocos no bolso, não é? Mas as grandes economias são como as rainhas: fica mal que carreguem moedas. Então, fazem o lucro com a única moeda que ainda a gera: a escravatura consensual de homens e mulheres que buscam o sonho, um sonho que já não é americano, mas global. Globalmente vazio.

 

As pessoas não querem ser. Como não querem ler. E, porque não são, precisam de outros espaços, além do seu. Porque é no quintal do vizinho que a relva está mais verdinha e que crescem as folhas de Cannabis com maior índice de THC. O que não se sente, finge-se que se sente. Haja opióides, é o que se quer, a ver se a alma (se) anima.

 

Não me apetece escrever. A sério, não me apetece escrever. Desculpem! Estou cansada. Quero recolher-me ao espaço do eu. Estar só. Implorar para que me deixem ser e deixar ser os outros. Não me apetece escrever. Mas as palavras são invasoras. São o exército inimigo. Ditadoras e tiranas. O sentido de identidade é um filho da puta a comandar as tropas! E eu importo-me com o mundo. E eu quero ser do mundo. Muito mais do que quero que o mundo seja meu...

 

Então, os dedos continuam a sangrar-me nas teclas do computador e este texto nasce. Se é literariamente bonito? Espero que não! Estou cansada de ouvir dizer que esta mágoa acutilante é bonita. Que se foda a beleza! Estou aqui. A gritar um texto. A chorar um texto. A sufocar num texto. Não me apetece escrever. Apetece-me sair de mim. Deste eu que sou. E que pensa. E que escreve. Mesmo quando não quer. Mesmo quando não apetece.

 

Será que posso ser como os outros? Não pensar? Não sentir? Ir do berço ao caixão suavemente... Ser e deixar ser pode ser-me lema de vida desde que me lembro de mim... Mas, raios... Parece tão mais simples ser os outros...


 Marina Ferraz





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1 comentário:

  1. No vácuo do mundo, escutei o teu grito.
    E agora... Não me apetece ler....

    ;)

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