terça-feira, 4 de julho de 2023

34

 


Sopro as velas. Já soprei as velas muitas vezes. É preciso estar vivo para o fazer. E eu ainda estou. Dizem que as morda e peça um desejo. Eu sei que ainda estou a tirar dos dentes a cera dos desejos antigos... mas não me faço rogada. Tenho pouco a pedir.

 

 

Na voz da minha mãe, a minha idade soa pequenita. Ela literalmente apresenta-me assim. “Esta é a minha pequenita”. Gosto da idade que lhe tenho na voz. Talvez porque a sua grandeza aos meus olhos torne compreensível a sua análise. Ao longo dos anos cresci sem nunca deixar de o ser. Pequenita. Como o Portugal da minha Coimbra.

 

Só que Coimbra já não é minha e eu – que sou pequenita – não sou jovem e nunca soube sê-lo. Também nunca fiz questão. Tenho uns olhos que viram passado e uma alma que não morreu nas chamas ditadas de outrora. Sou a sobra dos que me antecederam e a carne que gera ancestralidade no agora. Tenho demasiadas questões para quem viveu uma só vida. Uma consciência inusual de que a idade é geradora de incerteza e não de conhecimento. Em dias como hoje pergunto-me, por exemplo, que magia é essa que dá aos corações a arte de suplantar a morte. E é o riso da minha avó que se pendura no meu ouvido, numa resposta retórica.

 

Há mais perguntas do que dias. E há dias atirados ao lixo na crença do dia a seguir. O mundo é um pequeno gigante. Célula do universo. Colosso humano. Sopro as velas. O efeito-borboleta sente-se, pelo menos, no tufão da minha mente. A idosa que me mora dentro fica grávida desse embrião que quer desesperadamente sorver o tempo e viver. Fixa-se no útero o desejo de mil infinitos improváveis. Engole-se a certeza da morte com um bom copo de vinho tinto. Brinda-se com as palavras de Baudelaire. Enivrez-vous.

 

Com os taninos a dançar no corpo. No momento em que sopro as velas. A velha rejuvenesce. Não sei ser jovem. Nem faço questão. Viro criança e atiro-me para o único lugar seguro que conheço. Aninho-me no único lugar seguro que conheço. Recolho-me no único lugar seguro que conheço. 34 anos são, de súbito, a pequenez de criança. E a idosa que mora dentro procura a góia na noite escura da vida.

 

 

Acendem as velas. Cantam a música que rendeu indevidamente 2 milhões de dólares anuais à Warner. Danço ao som das vozes. Sopro as velas. Dizem que as morda e peça um desejo. Tenho pouco a pedir. Então, lembro-me da voz. “Esta é a minha pequenita”. Penso no lugar mais seguro do mundo. Peço abrigo. Aconchego. Colo. Não sou jovem e nunca soube sê-lo. Também nunca fiz questão. Mas nos braços da minha mãe darei sempre folga à idade. O Amor não tem idade.

 

São 34. 34 velhos anos de alma. 34 e sou pequenita.  

 

Se tivesse certezas, diria que nunca se é velho demais para o colo da mãe. É uma coisa que se cola a nós. Como a cera das velas se cola aos dentes. E só eu sei como ainda estou a tirar deles a cera dos desejos antigos...


Marina Ferraz




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1 comentário:

  1. Anónimo16:00

    Ninca se é realmente velho de mais para o colo de uma mãe... porque sejamos grandes ou estejamos distantes... mãe que é mãe.../filho ou filha que são filhos saberão sempre fazer as viagens e pontes necessárias para nos mostrar que são raízes..
    Adorei estar presente em mais uma comemoração do teu aniversário. Ver essa vossa união. E aproveita sempre o facto de seres a pequenina da tua mãe... ela como nós... como tu... sabe que tens um coração imenso...
    Gratidão e parabéns à mãe e a filhota que a têm:)

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