terça-feira, 7 de maio de 2019

Café de Lua




O meu café anoiteceu. Em todo o seu sentir crescente, o meu café achava que a noite era o espaço comandado entre a profusão de músicas e a dança de corpos. O meu café era louco. Então, saía. E deixava-se sorver nos lábios sedentos de vida.

Mas o café que anoitecia chegava sempre à conclusão de que as amadas e excitantes noites de sativa e ópio não chegavam para adoçar a amargura. E por isso o meu café, que bebia pela manhã, anoitecia crescente só nas ideias insaborosas da possibilidade.

Era um café levado para a cama e bebido com esperança. Porque havia a esperança de se beber, na cama, o café que anoitecia, logo pela manhã.

Tão pleno de esperança estava que, um dia, foi como se o meu café anoitecesse cheio. Um luar todo preenchido, repleto dos sonhos e dos feitiços que eu nunca tinha feito.

O lugar da felicidade, nessa chávena de café que me anoitecia, era simplesmente o Espaço. Sem um único limite no seu redor. “Será que pode ser sempre assim?”. Não poderia ser de outra maneira.

O café era cheio. E notívago. Gostava de passeios noturnos pela serra e junto ao mar. Se sentia frio, tinha um abraço de permeio. Sim. Era um café quente e doce, que se mesclava na perfeição com o leito da vida e a partilha dos fluídos corporais.

Mas um café que adormece cheio, às vezes anoitece minguante. O meu café minguante acordava de mau humor. E discutia sobre tudo, com tudo, sobretudo comigo. Não havia muita felicidade no café que anoitecia e minguava até que as lágrimas o salgassem.

O café minguante, anoitecia de lua. Pouco ou nada havia que se fizesse para o adoçar. Tudo o que não era açúcar a menos, era açúcar a mais. E as natas causavam dano. E o leite causava náusea. E a esperança estava azeda e transbordava como fel.

O café minguante deu muitas noites de insónia em que se fingia dormir. Ainda com a memória de luas mais cheias e de cafés mais plenos e encorpados, criava-se um fosso no meio da cama, onde novas plantações poderiam ser feitas e novo café poderia vir, quando fosse época das colheitas. A colheita não veio e o fosso não ficou. Em vez disso, ficou meia cama vazia, num café novo, que anoitecia, desaparecendo.

O meu café anoiteceu novo. Era tudo novo. Feito de uma ausência tão plena que pouco importava se estava amargo, queimado ou com um leve travo a anteontem.

No centro das minhas mãos, nem a chávena aquece o frio da vida. Nem o açúcar aumenta a sua acidez amarga. Nem a cafeína me acorda do pesadelo.

O meu café anoiteceu. Anima-me o corpo que nunca se anima. E aquece-me a esperança que nunca esfriou. Só que o corpo é débil e a esperança é parca. E o café é depressão líquida e escura, qual abismo para a memória que se quer largar.

O meu café anoiteceu. Bebo-o para sobreviver. No dia em que ele me amanheça, talvez durma mais. Talvez para sempre.






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