terça-feira, 7 de setembro de 2021

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Fotografia: Nuno Sousa


Antes que cruzes a linha. Essa dos inta para os enta. Deixa-me dizer-te.

 

Não me entendas mal, eu sei que os enta não são a morte. E terei, por certo, muito tempo. Para olhar para ti. E te dizer. Vez após vez. Eu sei. Não me entendas mal. Mas quero dizer-to agora.

 

 

Humano, pacifista, senhor de decisões e dúvidas. Crente de todos os deuses e de nenhum. Observador de estrelas tangíveis e inatingíveis. Criador de sonhos no gravador de cassetes natalinas, alimentados no pasto de palavras e de atos.

 

Irreverente e ousado. Às vezes demais, mas ninguém traçou a linha. Descrente das linhas que se tentam traçar e de todos os “demais” que se enunciam, feitos de limites e mentes fechadas.

 

Leitor ávido. Aventureiro nato. Viajante do mundo. Às vezes ao embalo do vento, às vezes ao embalo da literatura. Gamer. Personagem da versão beta da vida. Experimentando tudo. Que é pelo sim, pelo não.

 

Intempestivo. Barulhento. Eternamente menino. Eternamente adolescente. Eternamente preso à saia da mãe que ainda é colo e abrigo. Lágrima engolida no embalo. Dor que sorri ao mundo. Riso que se arranca do peito dolorido dos outros e compreensão em estado puro.

 

Conhecedor das histórias dos pássaros-drone. E mapeador dos limites da estupidez na Terra plana. Mergulhador de documentários e construtor de palácios sagrados em mundo aberto.

 

Dono de palavras sábias. Como a peça do jogo de xadrez que, apesar de todo o conselho e opinião, quem move és tu. Como a farinha Maisena que, por pouca que seja, dá sempre para mais um.

 

Dono do gesto sábio. Como o convite para um café antes da violência. E o abraço, sem palavra, no luto. E o café, de tonalidade verde, servido em chávena fria, a meio da tarde, com o riso pendurado no recanto do carinho e da compreensão.

 

Homem. Além do menino. Além do adolescente. Homem. Aquele para quem olhei, de baixo para cima, como exemplo do que se deve ser neste planeta, onde tanta coisa não é o que deve ser. Aquele que me fez sentir compreendida e protegida, mesmo quando tudo era difícil. Aquele que acreditou plenamente que eu podia ser. Sem complemento. Aquele que foi O.

 

 

Antes que cruzes a linha. Essa dos inta para os enta. Deixa-me dizer-te.

 

Isto?

 

Não. Nada disto. Outra coisa. Uma coisa muito simples, que vem carregada de amor e de coisas que não têm nome para que possam escrever-se.

 

Isto:

 

Obrigada.


Marina Ferraz





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