Todos
o meus limites tendiam para infinito.
Foi assim que sobrevivi à trigonometria.
Mal. A passar com a nota que dá-para-o-gasto.
Ou sem ela, mas com a simpatia clara da professora que não me queria chumbar no
começo do ano e me classificou com cinco ou seis valores acima do que eu
merecia.
Penso
muitas vezes na minha professora de Matemática e nos limites. No modo como os
limites, absolutamente incalculáveis na minha (falta de) lógica, acabaram por se transformar em regra. Pensei. Se
usar sempre a mesma resposta, algum dia
estará certa. Um pensamento semelhante ao de que talvez ganhe o Euromilhões – no qual não jogo –se usar sempre a mesma chave. Se o secundário fosse eterno, talvez
algum dia a resposta tivesse sido esse infinito.
Se a vida fosse eterna e eu jogasse no Euromilhões, talvez houvesse menos meses
com dias de sobra depois de acabar o dinheiro...
O
facto é que eu perdi a lógica da trigonometria porque a cabeça estava no infinito da minha resolução. A pensar
nos livros e na vida e na morte. Na lógica dos livros e da vida e da morte. Num
cálculo incalculável que me afastava de números e de conceitos para me levar
até ao espaço onde toda a curiosidade tem a magia como resposta evidente.
Mergulhando
nos espaços entre as letras dos meus poemas, fui descobrindo que as folhas
quadriculadas também tinham linhas horizontais, muito semelhantes às dos
cadernos pautados, mas que se pareciam muito mais com a cela triste dos
canários. Aprisionada atrás da ideia, comecei a escrever poemas nessa gaiola de
capa azul e argolas. Achei que talvez a liberdade dos poemas, quando divididos
por esse infinito pudesse trazer
consigo outras coisas etéreas e eternas.
O
resultado efetivo da poesia nos meus cadernos de Matemática foi uma sobrevivência
a custo com a nota que dá-para-o-gasto
(por pura simpatia da professora) e muitas ideias loucas sobre salvar um mundo
sem salvação. Descolei essa ideia da sola do sapato à medida que fui aprendendo
que os meus limites não eram infinitos. Que os meus limites, na verdade,
estavam claramente definidos e que seria bom que os da sociedade também o
estivessem. Um sonho de utopias que caiu em seco sempre que dito e começou a
formar um tumor quando foi calado.
Hoje
disseram-me pela primeira vez. Qualquer
coisa dividida por infinito é zero. E, na voz de um homem de ciência,
lembrei o modo como tentei soltar as amarras quadriculadas do caderno com
poemas divididos por um infinito de coisas, desenhando ao lado gráficos
inventados que tendiam, também eles, para o infinito, sem que eu conseguisse
alcançar respostas práticas e lógicas. Percebi o pequeno nada que é esse meu
desejo de dividir as letras pelas almas que povoam o pequeno infinito finito que
é o globo-azul onde moro. Senti-me como os cachalotes e golfinhos de plástico que
residem nos globos de neve turísticos dos Açores. Agitaram-me. Fizeram com que
nevasse em pleno verão. Senti os flocos da perceção na pele, enregelarem a
pele, à medida que tudo assentava novamente e eu entendia que não entendera
nada.
Saber
que não sei ajudou-me a saber. Percebi perfeitamente que o meu problema – com a
trigonometria e o resto – nunca foi o cálculo dos limites, mas o facto de todo
o tempo ser pouco para que os poemas ao lado dos gráficos tivessem alguma
função no rumo da liberdade.
Por isso, não quero que este texto se divida por toda a gente. Porque ele só tem 4514 carateres com espaços e há aproximadamente 8,04 mil milhões de pessoas no mundo. Hoje, só quero que este texto tenha uma pessoa que o leia e o entenda e o sinta. E que essa pessoa rebente com as jaulas, mesmo que deixando em paz as pobres das folhas quadriculadas onde em tempos escrevi poemas que quase me chumbaram a Matemática.
Com tempo – disseram-me ainda – tudo é fluído. Talvez o pensamento também possa sê-lo. Por favor, não partilhem esta ideia com infinitos de gente. Mas, se puderem, partilhem com a vossa mãe, o vosso pai, os vossos filhos. Partilhem com o jardineiro ou o balconista. Com a cabeleireira ou a condutora do Uber. Partilhem com alguém. Dividam com peso e medida. Para que flua no tempo. Sem infinitos, para que o resultado final seja um número concreto. Outro que não zero.
Os meus limites são claros. Não sei nada sobre trigonometria. Mas sei que tenho visto a sociedade fazer o que eu fiz: dar sempre a mesma resposta à espera que algum dia esteja certa. São certezas divididas por infinito.
Livre de infinitos, trago hoje o
sonho utópico de salvar o mundo. A começar por uma pessoa. Só uma. De cada vez.
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Parabéns Marina por este belo texto que, parecendo ligeiro, é muito profundo. Viva a poesia! Beijos
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