Utopias. Desejam-se utopias neste final de ano. Como se o
quedar da noite anunciasse o fim de personalidades e problemas. E o
fogo-de-artifício os incinerasse. E houvesse um sol diferente a nascer na
madrugada do novo calendário. Desejamos sucesso, num mundo onde cada vez mais
se aprecia a arte dos mínimos. Desejamos paz, num mundo onde a guerra rebenta.
Desejamos amor, num mundo que se cola cada vez mais à efemeridade de momentos.
Desejamos saúde, num mundo onde proliferam doenças antigas e novas, sob os
interesses mais ou menos tácitos da indústria farmacêutica. E é tão bom
desejar, que nos esquecemos, com facilidade, do papel que temos na construção
do que será o amanhã.
Não. Não vos desejo sucesso, paz, saúde e amor. Espero que
tenham tudo isto, mas não é isto que vos desejo.
O que desejo é outra coisa.
Desejo que tenham as ferramentas para trabalhar. E o espaço.
E a oportunidade. E o alento para se levantarem de manhã. E a coragem de
lutarem pelos vossos sonhos. E a capacidade de não deixar para depois o que
pode ser feito neste instante. E o prazer da dedicação. E pernas que aguentem a
subida dos degraus. E cimento que garanta a estabilidade das vossas
construções. O que desejo é que saibam que vos cabe a construção do sucesso.
Desejo que tenham comida sobre a mesa, uma banheira, ou uma
cama, ou um sofá onde possam descarregar o cansaço do sucesso. E que tenham, em
vós, a amabilidade de tratar do espaço com carinho, continuadamente, para
garantirem a paz que desejam. E que, tendo comida sobre a mesa, uma banheira,
ou uma cama, ou um sofá, se lembrem também daqueles que a não têm. E saibam
dedicar-lhes, se não mais, ao menos um pensamento diário, onde agradeçam pelo
privilégio. O caminho da paz faz-se com luta. Nem toda a luta é guerra. Esta é
uma luta que se faz de cada vez que, em lugar de olhar para o lado, se encara o
mundo de frente, com todas as debilidades, assumindo que a mudança começa
dentro de nós.
Desejo que, por entre as constantes debilidades
humanas de um corpo frágil, tenham a força de cuidar de vocês. Que saibam quão
importante é o cuidado do físico e da alma. Que não tenham medo de correr
passadeiras nem de aceitar aventuras. Que aceitem o desafio das cores nos
vossos pratos. Que tenham sempre pastilhas para a garganta, analgésicos para as
pequenas dores e um serviço de saúde que cuide de tudo o que não se trata com
exercício, alimentação e medicamentos de venda livre. E que tenham o
discernimento de saberem identificar as sintomáticas. E que tenham a coragem de
procurar ajuda quando for necessário.
Desejo que, a par com os medicamentos, a comida sobre a
mesa, a banheira, ou a cama, ou o sofá; tenham também dois braços à vossa
espera. Mas, acima de tudo, que sejam dois braços à espera de alguém. O amor
não é algo que se recebe mas antes algo que se constrói. E nem sempre é fácil.
Nem sempre é como os romances. Por isso, desejo que tenham calma, paciência e
vinte doses de ternura, de carinho e de entendimento; para regarem o vosso amor
e o deixarem crescer, até formar dois braços que se abrem e dois braços que se
abram por vocês.
O que vos desejo, para o ano que chega, é que saibam que a
mudança de um dia no calendário não pode trazer-vos nada. Mas vocês podem
trazer a vocês mesmos o mundo. E hoje é um dia tão bom para começar como outro
qualquer.
Sejam felizes (também) em 2018.
Marina Ferraz
*Imagem retirada da Internet
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