terça-feira, 26 de outubro de 2021

Do teu tamanho, ora

 



Gosto de ti.

Gostas de mim como?

 

 

Lá estava ela. A menina. Sempre a correr de um lado para o outro. Não há outra forma de ser criança. Senão essa. Sendo. Sendo-se como se é. Como se o mundo estivesse todo no alcance da vista. Sem limites. Sem limitações. Como se o Universo fosse composto apenas pelas estrelas visíveis no céu e o Sol não fosse estrela, porque brilha de dia. Como se o planeta não girasse verdadeiramente, já que a casa da nossa avó fica sempre do mesmo lado da rua. Lá estava ela. A menina. Essa que eu fui. A correr de um lado para o outro. Pai, dá-me cavalitas.

 

Era o maior pai do mundo. Exatamente porque era grande e eu não era. Tinha de olhar para cima para lhe ver o rosto. E de esperar que o encadeamento do Sol atrás do seu sorriso me permitisse fixar-lhe o rosto, ainda com o semblante recortado entre o manto de luz que o fazia herói de desenho animado.

 

Gostas de mim?

Uma pergunta que nenhum pai devia ter de fazer a uma menina.

Gosto.

Uma resposta que não sabia que era preciso acrescentar alguma coisa ao relato do que já era evidente.

Gostas de mim de que tamanho?

Um pensamento rápido. Num segundo. Numa palpitação breve do coração, que não teve tempo de fazer mais do que sístole e diástole. Acelerado. E já com vontade de que as pernas corressem outra vez.

Do teu tamanho, ora.

 

 

Havia, no contorno da sombra, a noite inteira. Mas a noite inteira ficava lá fora. E a criança já não era criança para correr. Embora o ritmo do coração fosse igual.

 

Ninguém queria saber se havia estrelas no céu, porque definitivamente já não faltava muito para o Sol nascer da insónia. A persiana aberta e o grito da luz amarelada das ruas, esquecido. Corpos meio despidos e almas totalmente nuas. Palavras que não precisavam de ser ditas na voz do toque.

 

Numa palpitação breve do coração, que não teve tempo de fazer mais do que sístole e diástole, ainda assim, a falha do silêncio fez-se e desfez-se.

 

Gosto de ti.

Gostas de mim como?

 

Em alguns dias, quando ninguém estava lá e eu estava prestes a desistir, tu estavas. Houve barcos a sair de portos e lágrimas dos olhos muitas vezes. Sentidos perdidos no espaço que fica entre livro e livro nas feiras, e sonhos assentes no pó do que ninguém entende.

 

Braços pequeninos que deste ao mundo e me servem de aconchego no pescoço, fazendo menos frios os invernos da vida. Palavras de companhia na viagem que teima em me amolecer até ao estado de quase-sono, evitando-me a quase-morte. Pedidos sobre a morte ansiada, como se um mundo sem mim não fosse ainda mundo. E brincadeiras subtis, de entendimento unívoco, no seio de multidões alheias.

 

Partilha do que é privado. Intimidade de um toque que não é, nunca foi nem precisa de ser físico. Ali. Nas paredes e tetos da alma que fica nos 60% invisíveis do Universo. Reservar nesse espaço do incompreensível também a memória. Pousar o copo de vinho e as culpas do passado na mesa arábica do perfume que se fixa no pulso.

 

As histórias. Repetidas ou não. Espaços de poema que se faz em modo complementar sobre como o amor está gasto nas palavras dos outros. Mas falar-se de amor - sem dizer amor - também nos nossos textos. Não vá alguém ter dúvidas de que há coisas que se dizem, sem dizer! Abismos e vazios. Monstros e feras. Um espaço de escuro que é conforto... e espelho de solidão que ninguém quer ou compreende.

 

Braços. Dedos. Peças que se encaixam, sem que faça sequer sentido. Vontade e respeito. Entendimento. Um idioma que talvez nenhum povo fale. Que carece de tradução. E ainda bem!

 

E a menina que fui. Dizendo. Gosto de ti. Do teu tamanho, ora. Mas não haver tamanho. Nem olhar para cima. Nem olhar para baixo. Nem olhar, de todo. Ali ao lado. Coração acelerado. Sem a mínima vontade de que as pernas corram. Querer só ficar. E fugirem as palavras.

 

Gosto de ti.

Gostas de mim como?

 

Porra. Sei lá...

 

Gosto de ti como se tu fosses tu.

 

 Marina Ferraz





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terça-feira, 19 de outubro de 2021

Dezoito mais um

 


Para a minha avó, Maria Graciosa
6 de Outubro 1930 - 19 de Outubro 2020



“Se tu vens, por exemplo, às quatro da tarde, desde as três eu começarei a ser feliz! Quanto mais a hora for chegando, mais eu me sentirei feliz. Às quatro horas, então, estarei inquieta e agitada: descobrirei o preço da felicidade! Mas se tu vens a qualquer momento, nunca saberei a hora de preparar meu coração... É preciso que haja um ritual.”

(in “O Principezinho”, Antoine de Saint-Exupéry)

 

 

 

Ligava-te às dezoito horas. Todos dias. E, se te ligava às dezoito mais um, logo me dizias que já estavas preocupada. Desculpa.

 

 

As tuas mãos enrugadas pousavam-se sobre o colo, em cima do avental de xadrez azul ou verde, na antecipação da hora. Entre elas, o telemóvel. Não eras mulher de tecnologias. Mas importavas-te com isto. Com saberes que o telemóvel tocava. E que, quando tocasse, a voz de alguém estaria do outro lado.

 

As vozes que te chegavam, nesse dispositivo estranho e dantesco, eram quase sempre vozes que te amavam. Mas não as vias como vozes que te amavam. Vias como pedaços de céu, feitos para tu amares e cuidares e honrares, como se o próprio deus-filho, descido da cruz, tivesse recorrido aos meandros tecnológicos, para te falar na voz de seu pai.

 

Expressões tuas, de voz tão alegre quanto alegre uma voz pode ser, ficaram-me gravadas na alma, de uma forma tão intensa que, nem que a doença do esquecimento me assome, continuarei com a sombra cintilante desse trejeito na mente. Atenderes o telemóvel. E dizeres “Oh [e o nome de alguém]”. Caberem todas as coisas nesse nome que dizias. Fosse de quem fosse. E ser, ocasionalmente, alguém que perdeste por culpa minha... e doer-me a mágoa por detrás da tua voz, tão cheia de saudades.

 

Vi-te muitas vezes de mãos pousadas no regaço, esperando o toque do telemóvel. A minha voz era a que chegava às dezoito horas. Porque um dia, em minha casa, me apercebi que o comprimido das seis da tarde era sempre esquecido, e eu queria segurar-te no planeta com as duas mãos, comprimido a comprimido. Fosse como fosse. Então, estivesse a fazer o que estivesse. Fosse reunião, workshop, entrevista ou banho, eu largava tudo e ia. Às dezoito horas. Ligar-te.

 

Tu, que sempre esquecias o comprimido, nunca te esquecias da chamada. Atendias com uma rapidez clássica, no primeiro toque. E dizias: estava mesmo à espera da tua chamada. Fazias-me questionar as razões pelas quais te esquecias da hora, apenas para o comprimido. Mas, na realidade, o comprimido estava tomado... e só querias aquele minuto ou dois... ou hora ou duas... de me teres do outro lado da linha.

 

Conhecias-me pela voz. Estás triste. E eu deixava cair a lágrima silenciosa, alegrando a voz com todas as mutações teatrais da vida. Não, avó, estou bem. Estou só cansada. E um pequeno silêncio. E a tua. Não, eu conheço-te. Tu estás triste.

 

Devia ter estado sempre feliz, avó. Porque estava a falar contigo. E porque tinhas tido as mãos no regaço, segurando o telemóvel, à espera das dezoito horas.

 

 Ligava-te às dezoito horas. Todos dias. E, se te ligava às dezoito mais um, logo me dizias que já estavas preocupada. Desculpa. Fazia por ligar um pouco antes, quando dava. Nem sempre deu.

 

Eu queria segurar-te no planeta com as duas mãos, comprimido a comprimido. Fosse com a chamada corrente das dezoito horas ou com a das dezoito mais um, que já te preocupava. Eu queria segurar-te no planeta com as duas mãos, para haver sempre a tua voz do outro lado da chamada, cuidando das minhas tristezas e alegrias com o mesmo amor.

 

Talvez devesse ter-me apercebido que não era o comprimido mas a chamada que te agarrava à vida. E talvez devesse ter ligado mais vezes às dezoito menos um, para termos mais um minuto para falar.

 

Todos os dias, às dezoito horas, eu ainda olho para o telemóvel. Gesto inadvertido, de relógio biológico incompreensível, de sentido de tarefa, de vontade de ouvir. Esqueço-me que a dezoito (mais um), o dia anoiteceu triste e o planeta te perdeu a voz.

 

 

Ainda tenho o teu contacto nos meus favoritos.

 

 

Se te ligasse e atendesses, talvez dissesses. Estás triste. Conhecias-me pela voz. Estou, avó, estou mesmo. Tenho saudades tuas.


Marina Ferraz





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terça-feira, 12 de outubro de 2021

Em stock

 




Desculpe, o artigo que solicitou não está em stock.

 

Seja condescendência. Paciência extra. Palavras falsas. Amores menores. Jeitinhos sentimentais. Deferência. Mentiras. Desapego. Obediência. Vassalagem. Submissão.

 

Desculpe, o artigo que solicitou não está em stock.

 

Peço desculpa. Estou cansada das dinâmicas do mundo atual. E das pessoas que anuem. E das pessoas que concordam. E das pessoas que aceitam. E das pessoas que puxam a corda até partir, sem pensar em mais do que o próprio umbigo. Estou cansada de quem marca e não aparece. De quem convida com pretextos e segundas intenções. De quem bate na mesma tecla sucessivamente, debitando as frases da TV como se fossem verdades universalmente grandes.

 

Ruas oleadas e nauseabundas, cheirando a motor e subordinação, com dejetos de animais e cartazes políticos servindo o mesmo propósito. Animais e pessoas levados pela trela, com ração doseada, não vá a fome passar e acabar com o desespero.

 

Prefiro sentar-me no chão, ao lado de quem pede esmola, olhando para a lata velha e vazia como o estômago. Não me peçam para descer ao nível de quem comanda a trupe. Lá em cima, nesse buraco de excrementos, quem olha tem também a lata mas com contas offshore.

 

Desculpe, o artigo que solicitou não está em stock.

 

Já não tenho comigo a força de cozinhar banquetes para quem quer fast food. Perdi a paciência de levar o pequeno-almoço à cama de quem quer uma cama diferente todas as noites. E ainda mais de tratar o Amor pelo nome, quando o apelido é Próprio... e não se dá senão ao eu.

 

Cansei-me de me sentar na margem do rio ou à frente do pôr-do-sol com quem se prende apenas no ecrã, insistido em gravar na memória do telemóvel o que jamais ficará na sua. Ou de fazer poemas para quem quer esperar que a história vire filme, para não ter o trabalho da interpretação.

 

Desculpe, o artigo que solicitou não está em stock.

 

Essa pessoa moderadinha e pacata, disposta a ceder e abdicar de pedaços de alma e coração a troco de nada está esgotada na minha loja. Tenho o excesso que sou, com vários condimentos. Sarcasmo, ironia, combatividade. Presença de espírito, análise crítica, discursos politizados e apartidários. Sonhos para ontem, hoje e amanhã. Sexualidade louca sem medos, sem grilhetas sociais ou de género. Disposição para a luta. Anseio pela vida e pela morte, em dose igual.

 

Há muita coisa disponível. Mas, desculpe. A passividade que procura esgotou.

 

O artigo que solicitou não está em stock. Introduza o seu email para receber uma notificação, caso volte a estar disponível. Mas, por favor, não sustenha a respiração enquanto espera... e recomenda-se que espere sentado. Obrigada!


Marina Ferraz





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terça-feira, 5 de outubro de 2021

1 de Outubro

 Fotografia de Analua Zoé


 Para o meu avô


1 de Outubro.

 

Li que hoje é o dia da música, e da água, e do idoso, e do vegetarianismo, e do vendedor, e do café.

 

Parece que todas as coisas se reuniram num só dia. Parece que queriam simplificar a celebração das festas. Ou dividir despesas. Poupar dinheiro no aluguer das roulottes de churros e dos palcos provisórios e dos salões de festas das juntas de freguesia.

 

Devem ter-se entendido bem, já que o café e a água são vegan. Devem ter-se entendido bem, porque sabemos que todo o vendedor gosta de idosos, para lhes impingir as coisas de que não necessitam e receber as suas comissões astronómicas, provenientes da infoexclusão e da solidão calada e da miséria escondida e envergonhada.

 

1 de Outubro.

 

Li que hoje é o dia da música, e da água, e do idoso, e do vegetarianismo, e do vendedor, e do café.

 

Pensei, para comigo, que até gostavas de alguma música e de café. Troçarias provavelmente dos “coelhos” que só comem legumes. Dispensarias a água, em prol de vinho. Acusarias o vendedor de ser “gatuno”. E continuarias, idoso, a sorver o teu cigarro e a ler o teu policial, sem fazer caso da televisão, onde dizias sempre que não havia nada de jeito.

 

Ignorarias formalmente o dia que é hoje. Fosse da música, ou da água, ou do idoso, ou do vegetarianismo, ou do vendedor, ou do café. Dirias só: “agora há dia de tudo!”. Terias razão.

 

1 de Outubro.

 

Correndo o feed surgem notas, aqui e ali, mais ou menos cómicas sobre o dia que é hoje. E vou correndo as publicações, com uma irritação só minha, vendo elogios tecidos a um dia que já odeio há quinze anos.

 

Leio. 1 de Outubro. Hoje é o dia da música, e da água, e do idoso, e do vegetarianismo, e do vendedor, e do café.

 

Mal ouço música. Já bebi água e café hoje. Não sou vegetariana. A única coisa que vendo é um cérebro agitado, para adoção responsável. Sinto-me velha... e rezingona. Neste 1 de Outubro.

 

Não sei, na verdade, que dia é hoje. Quero que se foda o dia que é hoje. É isso que eu quero! Porque corro o feed das redes sociais. Celebram, como se importasse, o dia da música, e da água, e do idoso, e do vegetarianismo, e do vendedor, e do café.

 

Quero que se foda o dia que é hoje. Porque ainda não li em lado nenhum. Mas hoje é o dia em que te perdi. Hoje é o dia em que o mundo ficou mais vazio. Hoje é o dia em que eu fiquei eternamente presa à saudade.

 

Sim. 1 de Outubro é o dia da saudade. Não mundial. Não internacional. Mas da minha.


Marina Ferraz





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terça-feira, 28 de setembro de 2021

Epifania

 




Havia uma história. E a história não era verdade. E a história não era ficção. A história vivia entre conceitos, provavelmente entre um e o outro, porque a vida é isso. Descoberta e discussão. Mutável, como a boa ciência. Com direito ao contraditório, como o bom jornalismo. Mas o ser humano habituou-se. Ao estereótipo simplista e redutor. É mais fácil.

 

Ou é verdade ou é mentira. Não há espaço para o que fica de permeio. Não há espaço para a conversa, para o debate, para o assumir da fragilidade humana das verdades mutáveis. Há pouco espaço. Nas mentes das pessoas. Para perceber. Isso. Que as verdades universais são dogma... Que as verdades absolutas não são verdade.

 

Pede-se uma epifania. Para a mesa do canto. Sirvam em dose dupla, por favor.

 

Perceber implica questionar. Aceitar é outra coisa. É um saber que se sabe o que não se sabe, nem se quer saber. Toda a luz nasceu de experimentação e da falha. Do questionamento. Toda a esperança depende do ponto de interrogação no final das frases. E da troca de ideias que se faz. Da conversa. Do debate. Da contradição. Do embate. Da resistência.

 

Mas é mais fácil vergar. Foi sempre mais fácil vergar. Obedecer custa menos do que lutar, assim como o silêncio custa menos do que as palavras. É uma apatia temperada a medo que leva filas e filas de autómatos da vida até à morte, sem viver de facto.

 

Pede-se uma epifania. Para a mesa do canto. Sirvam em dose dupla, por favor.

 

Custa-me olhar. Para os campos, para as trincheiras. Para os dois lados de uma guerra sem causa nem motivo. Para o rasgar da carne e das partilhas. Para a criação de facções, quando todos somos gente. Quando todos somos pessoa. Quando todos estamos a tentar. O mesmo. Sem dúvida. Ser felizes.

 

O inimigo público é o medo. E a aceitação acrítica é a droga. Vejo, pelos cantos e pelas ruas, todos os junkies indolentes, impassíveis, agindo em espelho face aos demais. E penso. Sempre o mesmo.

 

Pede-se uma epifania. Para a mesa do canto. Sirvam em dose dupla, por favor.

 

Avanço. Nas mesmas ruas onde se vendem máscaras e corpos. Procurassem as pessoas a paz como procuram a segurança. Procurassem as pessoas a clareza como procuram o prazer.

 

Pede-se uma epifania.

 

Penso vender a ideia, com uma publicidade apelativa. Assim: Uma epifania é um orgasmo mental. Mas ninguém quer uma epifania. A apatia é mais segura. A obediência é mais consensual.

 

 

Uma epifania é um orgasmo mental. Talvez o problema do mundo seja falta de sexo...


Marina Ferraz





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terça-feira, 21 de setembro de 2021

Quando foste a Paris

 

Fotografia: Ana Leonor Jesus


A avó quer um Mickey e a minha mãe quer ímanes para o frigorífico.

E tu? O que é que queres?

 


A Disney é um mundo. Não é? Fogo-de-artifício e paradas. Montanhas-russas, simuladores, carrosséis. Personagens acenando e entregando-se às fotos. Se o mundo inteiro fosse como a Disney, talvez fossemos todos mais felizes.

 

E Paris? Mon Dieu! Essas ruas de casas retas, com os seus telhados azulados e as suas flores nas varandas. Essa torre magnânima, que cumprimenta a cidade pela noite, piscando-lhe o olho. Esse rio, que corre por entre as luzes, deixando a sede da repetição constante da viagem.

 

Há uma Mona Lisa que sorri levemente, enigmaticamente, no fundo de uma sala de pinturas extraordinárias. Vénus perdeu os braços, mas não o encanto. E cada passo é um sonho de alguém, pendurado na parede, esculpido em pedra.

 

Paris é o mundo dos imortais. Imortaliza-nos, também, deixando-nos pedaços de carne nos vértices das pirâmides do Louvre. E ecoa o silêncio dos nossos pensamentos pelos Champs-Élysées, encontrando-lhes a tónica junto do Sacré Couer ou de Notre Dame. Os sonhos mais loucos têm lugar no Arco do Triunfo, símbolo da conquista do mundo. Os mais devassos ainda dançam cancan no Moulin Rouge.

 

A avó quer um Mickey e a minha mãe quer ímanes para o frigorífico.

E tu? O que é que queres?

 

Paris é manifesto. Palco mundano de milhares de almas descontentes com o destino do mundo. Cenário da discordância para os que entendem a distância que separa os nossos direitos das direitas. As suas ruas são pisadas por gente sã, que defende a liberdade. Liberté, egalité, fraternité. As vozes dos fantasmas ecoam. As dos vivos perpetuam o que é eterno. A frase. A ideia. O desejo. Esse. De Liberdade. A cidade inteira grita, canta, sabe. Tem asco às ditaduras. Se o mundo inteiro fosse como Paris, talvez fossemos todos mais felizes.

 

Nos meus olhos, o futuro é cinzento.

 

Não quero um futuro cinzento. Nem para mim. Nem para ti. Nem para ninguém.

 

Quero a Luz de Paris nas nossas vidas. Com um pouco do glitter e da magia da Disney. Quero a Liberdade. E a Equidade (já que a Igualdade é utópica). E a Fraternidade. E Paz. Todos esses clichés que as aspirantes a Miss Universo proclamam. Mas de coração.

 

A avó quer um Mickey e a minha mãe quer ímanes para o frigorífico.

E tu? O que é que queres?

 

Sorrio. Estás nessa cidade que eu amo. E és essa cidade que eu amo.

 

Quero que aproveites a viagem. E que sejas feliz.


Marina Ferraz





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terça-feira, 14 de setembro de 2021

FilhXs da mãe

 



A minha mãe diz que teve três filhos. Mas não teve. Teve um filho. E duas filhas. Talvez, num primeiro momento, pareça que isto faz pouca diferença. Deveria fazer pouca diferença. Mas não é esse o mundo que temos.

 

 

Da burca à Playboy, passando pelo assédio, pela violação, pelas discussões intermináveis sobre a prostituição, pela objetificação, pela invisibilidade, pelas fontes oficiais, pela aniquilação histórica, pela condescendência, o gaslight, o mansplaining e saltitando, ainda, pelos patamares de “uma menina não faz isso”, que se consubstancia mais tarde no “ela comporta-se como um homem”.

 

Ser mulher é ser peça no jogo onde todas as regras foram feitas por homens e todas as peças são movidas por homens. E importa pouco que existam tantas formas de se ser mulher quanto o número de mulheres no mundo. Porque se reduz facilmente o universo do feminino às púdicas e às putas. Às que são para comer e às que são sapatonas. Às que são dóceis e às que são cabras.

 

É sistémico!

 

Num mundo onde ser homem é ser livre, há mulheres que escolhem ser homens. Nas crónicas, chamam-lhes frequentemente “mulheres de sucesso” ou o “rosto feminino das empresas”. O género refere-se, ressalta-se, salienta-se, sublinha-se... mulher... feminino... E elogia-se a referência. Sem notar. Sem perceber. Sem que se compreenda que, no final da linha, é para cumprir as cotas. Para dizer que se fez. Para que a publicação não possa ser acusada do machismo e misoginia, varrendo-as para debaixo dos tapetes de uma opinião pública mansa. Mas quem é que leu, alguma vez, “o rosto masculino das empresas”?

 

A pouco e pouco, é com estas estratégias que nos fazem acreditar que o mundo está melhor. Mais equitativo. Fazem-nos acreditar que o empoderamento feminino se faz, de leito em leito, de posto de chefia em posto de chefia. Juntamente com os tetos de vidro, varrem-se os cacos que constituem a desigualdade salarial para debaixo de outros tapetes. Aqueles que não são mágicos nem voam, mas que carregam a “magia” dos preconceitos de cada conto de fadas. E escondem-se estatísticas que nos mostram a disparidade nos cargos de chefia nas firmas... para evitar transtornos. E chama-se sempre a “senhora da limpeza” e o “advogado”, ainda que o contínuo seja um homem e o advogado use saias.

 

 

A minha mãe diz que teve três filhos.

 

 

Claro que, do meu irmão – homem – não posso dizer que se cole às lógicas da misoginia. A minha mãe criou-nos a todos para fazermos a cama e cozinharmos. Para limparmos a casa e lutarmos pelos sonhos. Criou três feministas. Mas... na adolescência, isto valeria ao meu irmão uma parede da cidade pintada, acusando-o de ser homossexual... Não é. Não é, porque não calhou ser. Se fosse, a minha mãe ainda o amaria com igual intensidade. Assim como eu. Assim como a minha irmã. Só que – feminista, em essência, – mesmo não sendo, disseram que era. O mundo é assim!

 

Por mais que o meu irmão represente – ou assim acho – algo de bom no mundo, quando a minha mãe diz que teve três filhos, eu penso: Desculpem. Não teve. Teve duas filhas e um filho. Não foi dentro das paredes que isto nos minou liberdades. A rua, no entanto, não é tão branda.

 

Ela teve um filho. E duas filhas.

 

Uma delas sou eu. Alguém que cresceu protegida pelos braços e ideias de uma mãe com valores incríveis. Que criou três feministas. Mas que o fez num mundo essencialmente machista e misógino que dificulta a vida a qualquer um que não integre a norma estreita (e dissimulada) de um status quo que perpetua a hegemonia masculina.

 

No meio de tudo isto, quando me sento com os meus irmãos, compreendo que somos todos filhxs da mãe. Estamos lá uns para os outros, cientes da necessidade de um equilíbrio que não existe... defendendo ideias muito semelhantes sobre o que a equidade deve ser.

 

 

A minha mãe diz que teve três filhos. Não teve. Teve duas filhas. E um filho. ´

 

Apesar de ser uma mãe incrível, que nos ensinou (e ensina todos os dias) a ser mais do que o espelho de um mundo pobre e podre, isso não pode fechar os olhos à realidade que se faz fora do colo e do embalo dos seus braços resilientes. E essa realidade diz-nos: ser mulher ainda faz diferença. E fará diferença enquanto as mulheres tiverem medo de andar sozinhas e de sair à rua durante a noite; enquanto as mulheres tiverem de se esforçar a dobrar para atingir uma posição de poder ou para receber uma remuneração justa; enquanto houver, no mundo, países que não permitem, sequer, que mulher aceda à educação e ao mercado de trabalho, fazendo delas pouco mais do que objetos para uso masculino.

 

Sobre nós? As filhas e o filho da minha mãe? Bem... somos muito diferentes uns dos outros... desenquadrados – e ainda bem!

 

Nenhum de nós nasceu no mundo certo! Não temos raiz, nem lugar onde encaixemos. A sorte que nos resta é que temos sempre – e sabemos que temos – o abraço uns dos outros... e o colo desta mulher que diz, referindo-se à sua maior concretização, que teve três filhos.

 

 

(mas não teve! Teve duas filhas e um filho...)


Marina Ferraz





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terça-feira, 7 de setembro de 2021

39

 

Fotografia: Nuno Sousa


Antes que cruzes a linha. Essa dos inta para os enta. Deixa-me dizer-te.

 

Não me entendas mal, eu sei que os enta não são a morte. E terei, por certo, muito tempo. Para olhar para ti. E te dizer. Vez após vez. Eu sei. Não me entendas mal. Mas quero dizer-to agora.

 

 

Humano, pacifista, senhor de decisões e dúvidas. Crente de todos os deuses e de nenhum. Observador de estrelas tangíveis e inatingíveis. Criador de sonhos no gravador de cassetes natalinas, alimentados no pasto de palavras e de atos.

 

Irreverente e ousado. Às vezes demais, mas ninguém traçou a linha. Descrente das linhas que se tentam traçar e de todos os “demais” que se enunciam, feitos de limites e mentes fechadas.

 

Leitor ávido. Aventureiro nato. Viajante do mundo. Às vezes ao embalo do vento, às vezes ao embalo da literatura. Gamer. Personagem da versão beta da vida. Experimentando tudo. Que é pelo sim, pelo não.

 

Intempestivo. Barulhento. Eternamente menino. Eternamente adolescente. Eternamente preso à saia da mãe que ainda é colo e abrigo. Lágrima engolida no embalo. Dor que sorri ao mundo. Riso que se arranca do peito dolorido dos outros e compreensão em estado puro.

 

Conhecedor das histórias dos pássaros-drone. E mapeador dos limites da estupidez na Terra plana. Mergulhador de documentários e construtor de palácios sagrados em mundo aberto.

 

Dono de palavras sábias. Como a peça do jogo de xadrez que, apesar de todo o conselho e opinião, quem move és tu. Como a farinha Maisena que, por pouca que seja, dá sempre para mais um.

 

Dono do gesto sábio. Como o convite para um café antes da violência. E o abraço, sem palavra, no luto. E o café, de tonalidade verde, servido em chávena fria, a meio da tarde, com o riso pendurado no recanto do carinho e da compreensão.

 

Homem. Além do menino. Além do adolescente. Homem. Aquele para quem olhei, de baixo para cima, como exemplo do que se deve ser neste planeta, onde tanta coisa não é o que deve ser. Aquele que me fez sentir compreendida e protegida, mesmo quando tudo era difícil. Aquele que acreditou plenamente que eu podia ser. Sem complemento. Aquele que foi O.

 

 

Antes que cruzes a linha. Essa dos inta para os enta. Deixa-me dizer-te.

 

Isto?

 

Não. Nada disto. Outra coisa. Uma coisa muito simples, que vem carregada de amor e de coisas que não têm nome para que possam escrever-se.

 

Isto:

 

Obrigada.


Marina Ferraz





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terça-feira, 31 de agosto de 2021

Miami Vice

 

Fotografia: Engin_Akyurt


Duas coisas eu fiz no México: Bebi Miami Vice e olhei para as pessoas.

 

Claro: também apanhei um escaldão. E nadei na piscina. E visitei Chichén Itzá. Enfardei o buffet do hotel. Tomei pequenos-almoços britânicos. Adotei um tigre amarelo feito em balão. Fiz tiro ao alvo. Aeróbica. Uma espécie falhada de arco e flecha. Enfim. Coisas. Mas as duas principais foram estas: Bebi Miami Vice e olhei para as pessoas.

 

O meu Miami Vice e as pessoas do meu hotel eram o mesmo tipo de fraude. O cocktail porque a pulseira verde alertava o bartender de que o meu tudo-incluído era na versão para menores, passando a ser um tudo-incluído-menos-álcool-e-drogas. As pessoas do hotel porque, estando num Resort de 5 estrelas “mais” (coisa que eu nem sabia que existia até lá chegar), pareciam, de alguma forma, muito pobres.

 

Saboreando a bebida granizada, no bar que ficava na piscina – literalmente dentro da piscina – eu ia assistindo a discussões, desentendimentos, ataques, lágrimas no canto do olho, que resultavam em mareados pedidos de bebidas que, certamente, ao contrário da minha, não vão estar no céu à espera dos homem-bomba.

 

Também me apercebi de que a maioria das crianças estava aborrecida. A maioria dos adolescentes estava chateada. A maioria dos adultos tinha mais rotações de íris por dia do que a Terra conta, sobre si mesma, num ano.

 

A bebida era fria e as pessoas também. O riso, raro e de conveniência, vinha por vezes. Poucas vezes casual. Poucas vezes verdadeiro. Enchiam-se copos. Incluindo o meu.

 

No hotel, pela sua extensão, andávamos num comboiozinho turístico. Havia palmeiras e flamingos. Sei lá eu quantas piscinas. Sei lá eu quantos restaurantes. Sei lá eu quantos SPA’s e ginásios. Sei lá eu quantos caminhos, instrutores, funcionários, cozinheiros especializados, massagistas e pessoas-que-estão-lá-para-fazer-cumprimentos-efusivos. Não havia razão para sair da pequena cidade que era o hotel, senão para justificar que não se tinha feito um voo interminável só para ouvir o mesmo idioma que se fala no país vizinho.

 

Saí do hotel. Mesma pulseirinha verde. Fora do hotel, não havia Miami Vice, nem virgem, nem de outro tipo... mas olhei para as pessoas. As pessoas fora do hotel porque, estando fora de um Resort de 5 estrelas “mais” (coisa que eu nem sabia que existia até lá chegar) eram pobres. Muito pobres. Serviriam para ilustrar a palavra “pobreza” no dicionário. Mas, olhando para elas, pareciam, nos meus olhos menores, de alguma forma, muito ricas. Riam alto e com vontade. Dançavam. Alegravam-se. Saboreavam o pouco que tinham com prazer. Davam os ossos aos cães. E partilhavam-se. E queriam partilhar, connosco, essa euforia de copo na mão e música na rádio.

 

Observadora passiva de dois mundos contrastantes, não sei se sabia, ainda, perceber. O lado taciturno da riqueza de salto alto. O lado feliz da pobreza de pé no chão. Mas sei que pedi mais um Miami Vice, quando voltei e sentia o peito pesado.

 

O peso nunca aligeirou. Mesmo com o passar dos anos.

 

Às vezes, passo na rua e vejo-a. A riqueza. A desdenhar.

 

Às vezes, passo na rua e vejo-a. A pobreza. A rir.

 

Esse binómio incompreensível. Entre quem tem tudo e não é feliz, nem tenta ser. E quem não tem nada mas tenta ser feliz com o quase-nada que tem. Será que consegue? Tenho muitas perguntas sem resposta. Essas sobre a riqueza e a pobreza e a desigualdade. Sobre as realidades que se ignoram, num contrato tácito de não-observação.

 

Sobro eu. Observo. E, às vezes, penso que foi isso que vim fazer ao mundo: Beber Miami Vice e olhar para as pessoas.

 

O peito pesa. Agora, o peito já é maior de idade.

 

Peço um Miami Vice. Mas, se o mundo é isto... e ninguém entende... e ninguém se importa... por favor, desta vez, alguém carregue no rum!


Marina Ferraz





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terça-feira, 24 de agosto de 2021

Meu Anjo

 



Para o Paulo Maria


“Meu anjo”, dizias. E eu sei que quase ninguém percebia as tuas palavras. Mas eu sabia. Tinha aprendido. Também se aprende a ouvir. E a perceber. Por isso, quando dizias. “Meu anjo”. Eu sabia que era eu.

 

O anjo era eu. Eu, logo eu. O anjo. Mas, em vez de te responder na mesma letra do que sempre digo a todos que assim me tratam, vociferando impropérios entre as muitas frases que podem compor um “detesto que me chamem anjo”, eu derretia-me com o teu semblante quando eu entrava pela porta escancarada e tu quase saltavas da cadeira, em entusiasmo por me ver.

 

Conheci-te permanentemente com um copo de cerveja à frente. Sei quantas vezes, na mistura dessa poção mágica que te inebriava os sentidos, a minha irmã colocava Martini. Conheci-te permanentemente rodeado de pessoas que sorriam, que riam, que se animavam. Trazias festa contigo. Eras a festa que trazias. Como se a tua presença, de sorriso aberto e alma pura, fosse o foco de luz mais brilhante da sala.

 

Era curioso que fosses luz, porque também eras trevas. Talvez esse teu lado fosse reservado para alguns. Talvez só para os amigos mais próximos, que te sabiam lobo negro. Talvez só para os que liam a tua poesia, sempre gótica e sombria. Sabe-se muito sobre um homem pela sua poesia. E a tua, meu amigo, era uma floresta muito densa, onde vagueavam espetros e se derramava o sangue de todas as mágoas. As tuas. As dos outros. Todas as mágoas que enterravas, no ecrã, com as pontas dos dedos dos pés. Como se quisesses arrumar a dor, aprisioná-la, garantir que ela não te roubava o sorriso do rosto.

 

A vida tinha-te amarrado à cadeira. Literalmente. Mas eras livre. Uma alma livre e sedenta de vida. Um bon-vivant e um bom amigo. Em todos os aspetos, a deficiência em ti era pormenor. E era-o porque os teus pormaiores saltavam à vista. Até que, sedenta de te apagar a luz, essa vida carniceira (tão pior do que a morte e ninguém a teme!) te quis amarrar a uma cama.

 

Recusaste. Imagino, embora não possa ver, esse lobo negro em ti a libertar-se da jaula em que queriam enclausurá-lo. E apetece-me dizer-te. Leva-me as asas e voa.

 

Disseram-me que não voltas.

 

Nunca mais vou ouvir alguém, num entusiasmo louco, dizer “meu anjo”, sem que eu me importe. E nunca mais vou receber o riso animado, quase excitado, nascer do fundo da sala, na leitura dos teus poemas, que o público aplaudia com tanta vivacidade.

 

Disseram-me.

 

Nunca mais me vou rir das histórias dos copos a mais, olhar esse sorriso sem margens, nem receber essa tua luz ao entrar na noite dos espetros.

 

Dizem que a cadeira ficou vazia.

 

Não preciso de me esforçar muito. Consigo imaginar. A cadeira vazia. Mas, digam o que disserem, para mim foi o teu corpo que sarou. E tu pousaste os pés no chão. Levantaste-te. E estás, algures, a beber cerveja e a escrever poesia.

 

À espera que eu chegue. Para sorrires e me cumprimentares dessa maneira que só tu podias.

 

“Meu anjo”


Marina Ferraz





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